Já é possível afirmar que a maioria dos brasileiros foi de alguma forma impactada pela enorme tragédia socioambiental ocorrida no Rio Grande do Sul. Infelizmente, eventos dessa natureza não configuram um cenário inédito para o estado, que desde o século passado enfrenta enormes desafios por causa das mudanças climáticas.
Em 1941, o nível d’água do lago Guaíba atingiu 4,76 metros, levando 70 mil pessoas – um quarto da população de Porto Alegre na época – a ficarem desabrigadas por conta daquela que até então seria a maior enchente da história do território gaúcho.
Em resposta ao acontecimento, uma série de investimentos em infraestrutura foram realizados ao longo dos anos subsequentes – como a construção do muro de Mauá na década de 1970, que implementou um sistema de drenagem e de contenção – na esperança de que a população rio-grandense não fosse acometida novamente pelas intempéries dos desastres hidrológicos.
No entanto, o curso dos acontecimentos foi exatamente o oposto do esperado: em menos de 60 anos o estado sofreu aflitamente com sete grandes enchentes, que causaram danos materiais e econômicos elevados, além de perdas humanas irreversíveis.
Em grande medida, podemos associar a reincidência das graves consequências dos desastres socioambientais a ausência de investimentos e gastos para a manutenção da infraestrutura instalada, medida essencial para o correto funcionamento dos mecanismos e processos que garantem a operacionalização da segurança pública nos espaços urbanos. Entretanto, é oportuno destacar que essa situação não se restringe ao Rio Grande do Sul.
Nas últimas décadas, o Brasil apresentou aquilo que pode ser chamado de “investimento negativo”, que nada mais é do que quando o investimento realizado pelo governo é insuficiente para cobrir a depreciação de seus ativos, ou seja, garantir a manutenção dos investimentos já realizados – como pontes, rodovias, portos e aeroportos – e aumentar a capacidade instalada da economia.
De acordo com os dados do Ipea, após atingir a marca de 6,3% do PIB na década de 1970, os investimentos nacionais em infraestrutura têm registrado uma queda gradativa, regredindo para 3,10% na década de 1980, 2,12% nos anos 1990 e 1,96% do PIB na primeira década do século atual. O Banco Mundial estima que apenas para manter os atuais níveis de acesso e qualidade da infraestrutura brasileira, seria necessário aumentar o investimento de 2% (média dos últimos dez anos) para 4,25% do PIB, levando em consideração o aumento da demanda e a depreciação de ativos.
É neste cenário que as parcerias público-privadas (PPPs) e as concessões despontam como uma potente modalidade de investimentos e, sobretudo, de prestação de serviços. Nestes projetos, o setor privado não apenas investe na construção das infraestruturas, mas também assume sua operação e manutenção ao longo do contrato (por 20, 30 ou mais anos).
Para a licitação dos ativos concedidos, são considerados não apenas os investimentos iniciais necessários para a perfeita fruição dos serviços públicos. Mas também, e em especial, os investimentos necessários para a reposição da infraestrutura construída e todos os recursos necessários para sua conservação e manutenção de sua atualidade no curso dos anos contratados. Assim, os custos inerentes à depreciação dos ativos de infraestrutura são considerados na equação primordial que fundamenta esse tipo de contrato.
E aí cabe uma reflexão interessante sobre a cultura política em que estão inseridos esses contratos.
A manutenção da infraestrutura é, como Rio Grande do Sul veio evidenciar, extremamente relevante. Mesmo assim, não são raros os casos em que os Poderes Públicos concedentes desmerecem o valor e a importância desses contratos após a conclusão do que se chama período de investimentos.
É comum que políticos passem a enxergar as PPPs e concessões como despesas muito elevadas ou tarifas abusivas logo depois que são cortadas as fitas de inauguração dos investimentos entregues.
O fato é que o verdadeiro valor desses contratos é, justamente, o serviço de reposição da infraestrutura que, no fim das contas, confere o devido conforto ao usuário final. E como os dados vem mostrando, são esses os investimentos que faltam para que sejam alcançados níveis minimamente satisfatórios do PIB.
Quem dera tivéssemos mais PPPs de drenagem no Brasil. Quem dera tivéssemos mais contratos de longo prazo que zelassem pela reposição da infraestrutura nos mais diversos setores. Os eventos climáticos serão cada vez mais frequentes e vão testar a resiliência da nossa infraestrutura. As PPPs e concessões, quando bem modeladas, são ferramentas preparadas para lidar com isso.
E fica o recado para que sejam valorizados os investimentos invisíveis. Aqueles que não tem fita para cortar, mas que salvam vidas.