Um dos raros consensos da ciência econômica é que a infraestrutura é essencial para o crescimento e desenvolvimento econômico de qualquer país. Apesar disso, o Brasil segue carente de investimento em tais áreas.
É o que demonstra levantamento do McKinsey Global Institute (2013), que, considerando os setores rodoviário, ferroviário, portuário, aeroportuário, de saneamento e de telecomunicação, analisou o estoque de infraestrutura de 12 países de renda média e alta, incluindo o Brasil.
O estoque de infraestrutura pátrio foi o menor de todos (53% do PIB). Um estudo posterior do IPEA (2017) também demonstrou que o número parece ter sido superestimado em torno de 17%, estando a média dos países analisados em torno de 70% do PIB. A China, que vivenciou boom econômico recente, acumulava 76% do PIB em infraestrutura, segundo a estimativa.
Frischtak e Mourão (2017) calcularam que, no caso brasileiro, um estoque de 60% do PIB seria o montante necessário para que se conseguisse modernizar a infraestrutura. Usando tal meta, o estudo do IPEA estimou que, caso o Brasil invista futuramente a mesma proporção dos últimos anos (2% do PIB em média), o país não alcançaria nunca o patamar necessário (lembre-se aqui que investir não é apenas construir do zero, mas também impedir a depreciação do que já existe). E somente com um investimento de cerca de 5% ao ano do PIB seria possível modernizar a infraestrutura em um médio prazo de dez anos.
Ou seja: o aumento do investimento em infraestrutura no Brasil deve ser uma prioridade em todos os níveis de política, tanto macro quanto microeconômicas. Nesta segunda seara, destaca-se a necessidade de um ambiente regulatório favorável ao investimento privado.
Isso é especialmente verdadeiro se considerada a decrescente participação do setor público nos investimentos em infraestrutura, com o setor privado a compensando parcialmente, mas ainda aquém do necessário. Em 2023, os investimentos esperados, segundo a Inter.B, devem somar 1,95% do PIB, recursos dos quais 65% sairão da iniciativa privada. Conforme Frischtak e Mourão (2017), o setor de transportes é o que apresenta maior carência, havendo necessidade de dobrar o estoque de capital brasileiro nesta seara.
Em especial, destaca-se a necessidade de maior e melhor infraestrutura portuária, que poderia acentuar a integração econômica brasileira, já que, no cenário mundial, o Brasil representou apenas 1,3% das exportações e 1,1% das importações em 2022, ocupando a 26ª posição global, conforme relatório da OMC. Ressalte-se que o transporte marítimo hoje corresponde a mais de 80% do comércio global, chegando a 90% no caso dos países em desenvolvimento, consoante informações da UNCTAD (2015).
Segundo o TCU (2020), a ociosidade dos portos públicos brasileiros é de 56% das áreas disponíveis para a exploração de terminais. Ao mesmo tempo, presenciam-se filas em diversos portos brasileiros. Um estudo da ENAP (2022) analisou dados de 33 países e concluiu que, dentre eles, o Brasil apresentava o maior tempo de permanência de navios no cais, além de apresentar o maior custo de transporte por km.
De tais fatos, conclui-se que a expansão de capacidade dos portos públicos é um imperativo. Contudo, a referida solução esbarra, muitas vezes, na longa duração dos procedimentos licitatórios, que, de acordo com o TCU (2020), duram em média 28 meses, chegando a mais de cinco anos em alguns casos. Se o próprio rito procedimental já impede maior agilidade dos certames, tais competições têm sido ainda atrasadas e restringidas como consequência de movimentos contrários à aquisição de terminais por armadores, por exemplo, uma tendência que, no entanto, é mundial e gera eficiências econômicas relevantes.
Para que se compreenda esse panorama de integração vertical, cabe antes elucidar o aumento contínuo do tamanho dos navios (abaixo ilustrado), que confere economias de escala aos armadores.
Fonte: Transport Geography (2021)
Como a figura acima indica, a quantidade de contêineres abrigada nos navios cresceu exponencialmente nas últimas décadas, o que foi possível por meio do uso de navios mais longos e profundos. Para se aproveitar das eficiências propiciadas pelos novos navios, é necessário, contudo, a adaptação dos berços, que precisam ser profundos o suficiente, por exemplo.
No Brasil, no entanto, não se vê tal modernização em diversos terminais, havendo incapacidade generalizada de receber navios com mais de 15 mil TEUs. Isso significa, como indica a imagem acima, que a capacidade portuária do país atende, no máximo, à geração retrasada de navios.
Segundo a consultoria Neowise, 75% das novas embarcações são de tamanho superior ao comportado no país. Consequentemente, hoje cerca de 30% da frota mundial não pode ser atendida em portos brasileiros. Incapaz de receber os navios mais modernos e eficientes, o país sofre com as consequências: maior isolamento comercial e maiores preços aos consumidores.
Nesse contexto, a integração vertical, como afirma a OCDE (2022), ocorre “com o objetivo de aumentar o desempenho operacional e reduzir os gargalos físicos (como infraestruturas e superestruturas subdimensionadas, acessibilidade náutica)”. O aumento do tamanho dos navios torna as operações portuárias mais complexas, gerando a necessidade de maior controle, por parte dos armadores, da cadeia como um todo, em um mundo onde o consumidor está cada vez menos tolerante com atrasos.
Apesar da integração vertical ser uma tendência mundial com potencial de solucionar questões práticas operacionais, terminais não verticalizados resistem ao movimento para impedir a entrada de concorrentes, suscitando a existência de riscos concorrenciais. Em verdade, no entanto, o déficit portuário brasileiro, somado à expansão do comércio global, garantirá demanda para muitos terminais, verticalizados ou não, desde que estes ofereçam serviços e instalações em consonância aos padrões atuais de mercado.
Além disso, a disponibilidade de dados econômicos aumentou consideravelmente nos últimos anos, e, à luz das novas evidências, nota-se que a concorrência entre portos é maior do que uma vez se imaginara, de modo que a pressão competitiva já desempenha função disciplinadora do mercado.
De qualquer forma, para o crescimento econômico do país e o bem-estar da coletividade interessa que se criem tão poucas restrições ao investimento privado quanto possíveis, incentivando-o ao máximo a fim de suprir o gap de infraestrutura nacional. Nesse contexto, é relevante a atuação do órgão de defesa da concorrência no sentido de evitar a criação de restrições regulatórias que não encontram paralelo na jurisprudência internacional.
Em suma, os dados macroeconômicos demonstram um déficit relevante de infraestrutura no Brasil, urgindo que os órgãos da administração pública, reguladores e formuladores de políticas públicas, ao cumprir a nobre missão de defender a concorrência no setor, contribuam para que o Brasil seja mais receptivo a investimentos e competitivo globalmente.