As eleições americanas de novembro são mais importantes para determinar o futuro da democracia no Brasil que o pleito em nível municipal que ocorrerá em outubro próximo. Isso porque, por mais que haja tamanha polarização no país, as escolhas de prefeitos e vereadores podem refletir preocupações locais. Já o próximo ocupante da Casa Branca pode ser Donald Trump, o verdadeiro líder da Internacional de Extrema Direita que vem causando distúrbios ao redor do mundo em regimes democraticamente eleitos. Assim, caso conquiste um segundo mandato, Trump tem o potencial de ensejar movimentos golpistas ao redor do mundo, inclusive em terras brasileiras.
O embate iniciado pelo magnata Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), a respeito da liberdade de expressão no Brasil não tem como alvo principal o ministro do STF Alexandre de Moraes, mas é estruturado contra a Constituição brasileira e seu garantidor-mor — o próprio STF. O que testemunhamos há duas semanas foi apenas um aperitivo do que não apenas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas todo o sistema político brasileiro e democratas comprometidos com a manutenção de uma sociedade aberta e plural devem enfrentar caso a extrema direita volte ao poder nos Estados Unidos.
O fato de deputados federais brasileiros — entre eles Eduardo, o filho 03 do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — estarem se articulando, conforme amplamente noticiado semana passada, com parlamentares igualmente extremistas nos Estados Unidos para impor sanções e dificuldades ao Brasil é indício de que a subversão da ordem constitucional vigente não tem fronteiras. Ademais, tal movimento conta com o apoio de forças significativamente poderosas fora do território nacional.
Dito tudo isso, não tenho dúvidas de que caso, por exemplo, Ricardo Nunes (MDB) reeleja-se prefeito de São Paulo, analistas dos mais diversos matizes vão dizer que se trata de uma vitória de Bolsonaro, cujo apoio foi praticamente suplicado pelo candidato. Seu desempenho nas pesquisas coloca-o em situação de competitividade perante Guilherme Boulos (PSOL), candidato que conta com o apoio de Lula.
Um eventual triunfo de Nunes pode ser apenas uma resposta à falta de confiança em outros nomes – ou seja, nesse cenário, o eleitor paulistano terá votado no concorrente visto como o “menos pior”, ainda que ele não saiba fazer nada senão obras mal planejadas e colocar cones nas ruas da cidade que se deteriora dia após dia.
Da mesma maneira, uma votação expressiva de um nome da extrema direita contra Eduardo Paes (PSD), candidato à reeleição no Rio de Janeiro, pode indicar muito mais o resultado de uma política clientelista articulada por pastores evangélicos e milícias do que uma derrota relativa do presidente Lula, que já anunciou que apoiará o atual mandatário carioca em outubro próximo.
Prefeitos brasileiros — inclusive os de grandes cidades — tendem a navegar conforme o tempo em função do centralismo fiscal que é uma anomalia em nossa federação. Por exemplo, nomes do PSDB deixaram o partido em São Paulo para se aliar ao governador bolsonarista Tarcísio de Freitas em agremiações como Republicanos (casa do governador), o PL (possível futura morada) e o próprio PSD. Se os ventos mudarem e o bolsonarismo entrar em declínio, esses mesmos nomes sem dúvida vão buscar se alinhar com quem quer que esteja no Palácio dos Bandeirantes
O voto ideológico, porém, veio para ficar, sobretudo em função da emulação que fazemos da política americana. Mas a matriz ainda é mais importante que a filial. Nesse sentido, Bolsonaro teria com certeza ficado no poder se o presidente americano em 2022 fosse Trump. Será que Trump, uma vez de volta à Casa Branca, vai querer derrubar Lula?
Talvez não seja o caso, mas não tenho dúvidas que serão criadas condições para o retorno da extrema direita ao poder, ainda que o nome que não seja Bolsonaro — este sim inelegível, mas que uma conjuntura favorável à extrema direita pode levar a uma revisão pela Justiça Eleitoral da sua inelegibilidade. Esqueça a Justiça: é a política, estúpido! É o que a extrema direita parece proclamar não só no Brasil, mas ao redor do mundo.