E se os autoprodutores de energia pagassem mais encargos?

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Escrever este artigo carrega a sensação de navegar em águas perigosas. Não é nada confortável ir contra a maré de opiniões que, em princípio, parecem fazer sentido, porém carecem de aprofundamento. Uma delas partiu da pergunta aparentemente ingênua: e se os autoprodutores de energia pagassem mais encargos, entrando também no rateio da tão falada Conta de Desenvolvimento Energético (CDE)?

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Antes de mais nada, precisamos lembrar que a CDE é um encargo setorial criado em 2002 com o objetivo de cobrir custos de políticas públicas relacionadas à energia. Estão ali inclusos os recursos para descontos a consumidores de baixa renda, a produtores rurais e irrigantes, subsídios a fontes renováveis e diversos outros, totalizando 21 itens nesta lista. Por isso, não demorou muito e a conta ganhou proporções preocupantes. Em 2023, as despesas da CDE foram próximas de R$ 35 bilhões. 

Então, não é pra menos que, uma das grandes preocupações dos consumidores brasileiros de energia elétrica sejam os encargos setoriais, em especial a CDE. Tomando como exemplo, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig)  em valores de 2023, dos 749 R$/MWh (megawatt-hora) pagos pelo consumidor residencial, R$ 85,65 – mais de 10% – são destinados ao custo da CDE. 

Por isso, é fundamental revisitar a CDE, pensando em medidas estruturais que possam mitigar este ciclo crescente da conta. Mas há quem considere caminhos mais fáceis para o problema, como ampliar a base de pagadores, por exemplo. Por motivos óbvios, incluir os autoprodutores de energia – grandes consumidores que investem na geração da energia que consomem – são a primeira opção para aliviar o bolso dos consumidores. Este caminho, ou “atalho”, já surgiu sob inúmeras formas: projetos de lei, emendas e até mesmo numa versão obscura do PL 414/2022. Entretanto, isso ajuda o consumidor? Atrapalha o autoprodutor? 

Antes de analisar os números, é preciso reforçar que o autoprodutor é um grande consumidor, majoritariamente industrial, que investiu recursos próprios na produção de energia, assumindo riscos e custos de geradores. Assim, como qualquer outro gerador, não há motivação para o pagamento da CDE sobre a energia autoproduzida. Além disso, é fundamental destacar que os investimentos feitos pelos autoprodutores evitam a criação de novos encargos. Aqui, refiro-me tanto àqueles destinados a garantir o desenvolvimento econômico do país, quanto aos que garantem a confiabilidade e a segurança energética do sistema elétrico brasileiro. É um duplo benefício para sociedade.

Agora, como mero exercício, podemos simular o cenário em que os autoprodutores passem a pagar a CDE. O cálculo em si é de pouca complexidade: adiciona-se a carga de autoprodução na base de rateio da CDE, calculam-se novos valores para o encargo e computa-se o impacto na tarifa. O resultado é uma redução de apenas 0,58% (4,34 R$/MWh) na tarifa daquele consumidor que arca com os 749 R$/MWh. 

A conta foi feita com base em um aumento de 3.300 MW médios na base de rateio da CDE – valor da geração média classificada como autoprodução de energia no ano de 2022, com dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Quando se trata de um consumidor de maior porte, conectado à média tensão do Ambiente de Contratação Livre (ACL), onde consumidores podem comprar energia diretamente dos geradores, a redução estimada foi de 1,04% (3,56 R$/MWh).

Em comparação com 2022, o Encargo de Energia de Reserva, energia contratada para elevar a segurança do sistema elétrico, aumentou 11 R$/MWh. Em 2023, foi criada a CDE-GD, que onerou em 6,57 R$/MWh os consumidores residenciais. A própria revisão tarifária de algumas distribuidoras observou aumento de 95 R$/MWh, a exemplo da Cemig. Talvez a CDE nem represente mais o pior dos problemas.

Já na outra aba da planilha, o autoprodutor assume um aumento de custos de cerca de 43%. Uma oneração impraticável. É um impacto que vai direto para a indústria, provocando perda de competitividade e de mercado, principalmente, internacional − além de ir contra políticas já consolidadas, como a produção de hidrogênio e o combate à desindustrialização.

Não parece razoável colocar em risco a continuidade de investimentos que, historicamente, vêm contribuindo para o desenvolvimento do país. Estudo realizado pela consultoria Pezco Economics que mostrou que, entre 1995 e 2018, a autoprodução no Brasil contribuiu anualmente para a criação de 196 mil postos de trabalho, e no acréscimo no PIB de R$ 31 bilhões/ano. 

Se a maré, de opiniões, vai mudar, ninguém sabe. Entretanto, é possível concluir que a inserção dos autoprodutores no pagamento da CDE ajuda muito pouco os consumidores, mas causa enormes prejuízos à indústria nacional. Talvez a autoprodução seja o último refúgio desse consumidor − caso naufrague, é provável que a âncora da indústria encontre porto seguro bem longe das fronteiras brasileiras.