Visando alinhar as expectativas do Governo Federal e a redução do déficit nas contas públicas para o ano, a Medida Provisória nº. 1.202/2023 traz a revogação parcial dos benefícios fiscais concedidos pelo PERSE, a (re)oneração gradual e parcial da folha de pagamento pelas contribuições previdenciárias patronais e a limitação da compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado.
Tido como o ponto central do PERSE, o benefício do art. 4º a Lei nº 14.148/2021 previa para zero a redução da alíquota na Contribuição de PIS/Pasep, COFINS, CSLL e IRPJ até 2027 aos setores afetados. As condições de fruição desse benefício estavam definidas de maneira literal nos parágrafos 1º, 4º e 5º do art. 4º da Lei nº. 14.148/2021, destinando-o às pessoas jurídicas do setor de eventos sob condição onerosa, limitado aos resultados e receitas provenientes diretamente das operações relacionadas a tal setor pelo prazo de 60 meses.
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Com a revogação, os tributos teoricamente retomarão suas alíquotas padrão a partir de 1º de janeiro de 2025 para o IRPJ e 1º de abril de 2024 para as demais contribuições em respeito às anterioridades anual e nonagesimal. Nesse contexto, nos parece que a revogação promovida pela MP nº. 1.202/2023 padece de problemas de legitimidade e legalidade, principalmente considerando o art. 178 do CTN, as Súmulas do STF e os entendimentos sedimentados pelo STJ.
O art. 178 do CTN visa a proteção do direito onerosamente adquirido pelo contribuinte à desoneração (isenção) tributária concedida por prazo certo e em função de determinadas condições. À vista disso, não poderiam os benefícios fiscais isentivos (ou de alíquota zero) serem livremente dispostos pelo Poder Público em atos infralegais, devendo respeitar as previsões previamente dispostas em lei em sentido estrito.
Ainda que resida algum debate jurídico-tributário entre a isenção e a atribuição da alíquota zero, uma vez que ambos produzem idênticos efeitos, a inexistência de tributos a recolher e a desoneração concedida por meio de qualquer um deles deve receber a mesma proteção jurídica, como amplamente estabelecido pelos tribunais pátrios.
A Súmula 544 do STF e os julgados do STJ, como o REsp 1.987.675, garantem a não supressão das isenções/atribuições de alíquotas zero em que o contribuinte teve que arcar com algum ônus, obrigação ou encargo, bem como teve que cumprir/preencher determinado requisito de fato e/ou de direito para fazer jus ao benefício. Ainda que superássemos essa ilegalidade, remanesce questionamento quanto à capacidade da MP de revogar leis ordinárias ou complementares, instrumentos legislativos distintos no ordenamento jurídico brasileiro.
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Enquanto as medidas provisórias são atos normativos editados pelo Presidente da República, com força de lei, em situações de relevância e urgência, e que precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional em até 120 dias, as leis ordinárias são propostas pelos membros do Congresso e seguem o processo legislativo ordinário, passando por votações nas duas Casas sem prazo de vigência.
Nestes termos, a coerência e a uniformidade na expressão formal dos atos jurídicos, conforme o princípio do paralelismo das formas, desempenham um papel crucial no sistema legal, sendo vital que a linguagem utilizada para celebrar um ato seja a mesma ao revogá-lo, modificá-lo ou afetá-lo. Esse princípio não apenas garante a segurança e a previsibilidade nas relações jurídicas entre fisco e contribuinte, como também contribui para a estabilidade do ordenamento. Permitir que a MP 1.202/2023 revogue os artigos de leis ordinárias mencionadas, seria equivalente a afirmar, de forma simplificada, que as Medidas Provisórias e as Leis Ordinárias/Complementares ocupam a mesma prateleira no sistema jurídico.
Questiona-se, ainda, a presença dos requisitos de urgência e relevância para a edição dessa MP, mais ainda num contexto de recesso nas casas legislativas. Poderia a pressão por um atendimento de meta fiscal, por um incremento de receita, ser considerado como uma urgência em isolado quando o governo não demonstra, por outro lado, qualquer medida que resulte em corte significativo nas despesas públicas?
Ao que parece, a MP foi uma estratégia encontrada pelo governo para reverter, ainda que parcialmente, a derrota anterior no Congresso, restringindo o alcance do PERSE, limitando o direito do contribuinte às compensações e (re)onerando a sua folha de pagamento por ato unilateralmente expedido.
Dessa forma, são contornados a custo elevado direitos e garantias fundamentais do contribuinte, como o direito adquirido, a segurança jurídica, a boa-fé e a lealdade da Administração Pública, além da proteção da confiança legítima do contribuinte, em contramão à recentíssima Emenda Constitucional nº. 132/2023 que preconiza a observância dos princípios da transparência e da justiça tributária no Sistema Tributário Nacional.