Créditos de ICMS sobre produtos intermediários

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O aproveitamento do crédito de ICMS na compra de produtos intermediários sempre foi objeto de discussões polêmicas, tanto na esfera administrativa, quanto na judicial, muito embora esse direito esteja legalmente garantido.

O tema já foi abordado pelo Observatório em artigos como: “Direito ao crédito de ICMS”, O Crédito do ICMS na aquisição de mercadorias”, “Créditos de matérias de uso e consumo”, dentre outros que trataram do entendimento do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP).

Em todos os artigos restou destacada a posição, senão unânime, majoritária da Câmara Superior do TIT/SP, no sentido de que, em se tratando de produtos intermediários, ainda que necessários à produção, não podem ser classificados como insumos se não forem consumidos de forma imediata e integral e, portanto, o direito ao crédito do imposto não é garantido.

Ou seja, seguindo essa linha de entendimento: (a) cabe ao contribuinte realizar a prova da vida útil, uso e forma de desgaste dos produtos; e, (b) somente dão direito a crédito as aquisições de mercadorias que venham a ser consumidas de forma integral e imediata no processo produtivo.

Apesar do tempo transcorrido, o posicionamento, desfavorável ao aproveitamento do crédito, se não houver o consumo imediato e integral no processo produtivo, ainda persiste na Câmara Superior.

Mas quais são esses produtos, que demandam tanta discussão? São aqueles itens adquiridos pelas indústrias que não se enquadram como matérias-primas nem como materiais de uso e consumo.

Na realidade, eles são consumidos no processo produtivo, mas não compõem o produto final. A título ilustrativo, podem ser citadas as peças para veículos em uma transportadora ou peças de maquinários em uma indústria têxtil.

Não há dúvida de que tais itens são indispensáveis à produção (necessários à realização do objeto social), contudo, não aparecem no produto/serviço final e são desgastados gradualmente.

Em razão do princípio da não cumulatividade, ao qual se sujeita o imposto estadual, é notório que esses produtos intermediários devem gerar créditos de ICMS para as empresas.

No entanto, conforme dito, esse não é o entendimento que tem prevalecido no TIT/SP.

Nessa linha, podem ser destacados, ilustrativamente, vários julgados da sua Câmara Superior, como, por exemplo, as decisões proferidas nos AIIM´s 4014723-0; 4024712-0; 4022773-0 e 4045724-2.

Mais recentemente, foi julgado pela Câmara Superior recurso interposto pelo contribuinte no AIIM 4079678-4. A decisão da 14ª Câmara Julgadora, desfavorável ao aproveitamento do crédito e objeto do recurso, foi mantida pela Câmara Superior, ao argumento que os materiais tratados nos paradigmas não eram os mesmos.

Nesse ponto, vale o destaque do voto condutor, da lavra do juiz Marco Antonio Veríssimo Teixeira:

“13. No julgamento do processo DRT-03-671355/09, às fls. 3.227 a 3.233, da C. Câmara Superior, em sessão de 02/10/2014, o acórdão entendeu por não conhecer do RESP Fazendário que defendia a tese do consumo imediato e integral para ferramentas. O acórdão paradigma tratou de outros materiais (lâminas, réguas, telas, feltros, correias transportadoras e facas), trata-se, portanto, de situação fática diferente da dos presentes autos em que foram analisados os clichês (chapas metálicas que trazem gravada em relevo a imagem destinada a ser reproduzida para impressão de imagens e textos por meio de prensa tipográfica, utilizadas na produção de caixas de papelão), facas tipo rotativas, serrilhadas e PL Lisas.” (g.o)

Note-se que o paradigma apresentado pelo contribuinte, para justificar a reforma do acórdão, também era da Câmara Superior – exceção ao entendimento majoritário.

A despeito desse posicionamento, desfavorável ao crédito, há precedentes das Câmaras baixas do TIT/SP em sentido contrário.

Ilustrativamente, podem ser citadas as decisões proferidas nos anos de 2022 e 2023, ambas pela 4ª Câmara Julgadora:

AIIM 4121088-8: por maioria, foi reformada a decisão de 1ª Instância, sob o fundamento de que, ainda que o desgaste dos materiais seja gradativo, o crédito é legítimo se comprovada a essencialidade.
AIIM 4147373-5: por voto de qualidade, foi parcialmente reformada a decisão de 1ª Instância, ao argumento de que a Decisão Normativa CAT 01/2001, embora seja exemplificativa, é vinculante no que tange aos exemplos dados e, portanto, o crédito é legítimo.

Em ambos os processos houve recurso (Especial) por parte da Fazenda Paulista, que aguardam julgamento pela Câmara Superior.

O cenário não é o mesmo no Judiciário, tendo em vista que a 1ª Seção do STJ, ao julgar o Eresp 1.775.781/SP, consolidou sua jurisprudência contrariamente ao entendimento fazendário, pois reconheceu que produtos intermediários geram crédito de ICMS, verbis:

“…

III – À luz das normas plasmadas nos arts. 20, 21 e 33 da Lei Complementar n. 87/1996, revela-se cabível o creditamento referente à aquisição de materiais (produtos intermediários) empregados no processo produtivo, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa – essencialidade em relação à atividade-fim.

IV – Tais materiais não se sujeitam à limitação temporal prevista no art. 33, I, do apontado diploma normativo, porquanto a postergação em tela restringe-se aos itens de uso e consumo.

V – Embargos de Divergência providos.” (g.n.)

O primeiro precedente favorável aos contribuintes foi exarado em 2021, pela 1ª Turma do STJ, quando do julgamento do Resp 1.800.817/SP, do qual foi relator o ministro Gurgel Faria.

Nesse julgamento, a 1ª Turma decidiu que a LC 87/1996 permite o aproveitamento dos créditos de ICMS referentes à aquisição de quaisquer produtos intermediários, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social (atividade-fim) do estabelecimento empresarial.

A 2ª Turma do STJ, por seu turno, negava o direito ao crédito e, assim, a divergência de entendimento foi solucionada pela 1ª Seção da Corte, quando do julgamento do citado Eresp 1.775.781/SP, que teve a relatoria da ministra Regina Helena Costa.

Prevaleceu, então a posição que legitima o creditamento do ICMS quando comprovada a necessidade do uso dos produtos intermediários para a atividade-fim do contribuinte.

Tem-se, assim, que a forma (integrante ou não do produto final) e o tempo de duração (imediato ou prolongado) do consumo do produto intermediário no exercício da atividade empresarial não mais infirmam o direito ao creditamento do ICMS, o qual, portanto, também deve ser reconhecido em relação às mercadorias que, por sua duração estimada, necessitam de reposição periódica para o correto funcionamento da matriz produtiva.

Novamente, a essencialidade está sendo o fator dominante para o reconhecimento do direito ao crédito, desta feita, no tocante ao ICMS.

A decisão proferida pela 4ª Câmara do TIT/SP, nos autos do AIIM 4121088-8, já citada, levou em conta os precedentes da 1ª Turma do STJ pela legitimidade do direito ao crédito.

Resta, então, aguardar os próximos julgamentos da Câmara Superior do TIT/SP. A alteração de entendimento, se houver, não implicará qualquer afronta à Lei (SP) 13.457/2009[1], eis que o entendimento da 1ª Seção do STJ se fundamenta na observância da LC 87/96, logo, não há que se falar que é vedado aos juízes do Tribunal Paulista afastar a aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade.

Autora:

Maria Helena Tavares de Pinho Tinoco Soares – Advogada, doutora pela PUC-SP (Direito Tributário); Juíza (Contribuinte) do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo; vice-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP – 2ª Turma Disciplinar

Coordenação:

Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Kalinka Bravo
Lina Santin

[1] Artigo 28 – No julgamento é vedado afastar a aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada