Boas práticas no estreitamento da relação entre planos de saúde e beneficiários

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Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que o número de reclamações contra planos de saúde saltou de 18 mil em dezembro de 2022 para mais de 33 mil em julho de 2023.

O levantamento leva em consideração a quantidade de Notificações de Intermediação Preliminar (NIP), principal ferramenta para mediação dos conflitos entre beneficiários e operadoras de planos de saúde. Os números também apontam para um crescimento de 80% nas reclamações entre 2022 e 2023, e um Índice Geral de Reclamações (IGR) superior 55,9 a cada 100 mil beneficiários. 

Este aumento expressivo não pode ser diretamente atribuído a um único fator. São vários elementos que compõe esse cenário: mudanças regulatórias, extensão das coberturas assistenciais, incorporação de novas tecnologias no rol, que obrigam as operadoras ao fornecimento de coberturas que não foram previamente consideradas para composição da sua rede e custos assistenciais. Todos esses fatores influenciam no aumento do volume de reclamações junto a ANS e, sem dúvida, fortalecem o desequilíbrio do sistema.

Apesar do crescimento das demandas, informações disponibilizadas pela agência indicam que o percentual de resolutividade se mantém alto, girando em torno de 90%. Esse dado, juntamente com as distintas performances das operadoras no IGR e a análise do relatório de ouvidorias, permite chegar à conclusão de que a maior parte das reclamações apresentadas poderiam ter sido resolvidas a partir do diálogo entre operadora e beneficiário, sem a necessidade de intervenção da ANS.

Atenta a essa realidade e com o intuito de reduzir o passivo crescente de NIPs, a agência deu um passo importante ao estabelecer como meta da agenda regulatória 2023-2025 a criação de incentivos à melhora do relacionamento entre operadoras e beneficiários, abrindo, no final de 2023, a Consulta Pública 121, com o objetivo de obter contribuições de toda a sociedade para a proposta de revisão da Resolução Normativa 395/2016, que visa justamente a promoção de melhorias nos serviços de atendimento aos clientes a serem empregadas pelas operadoras de planos de saúde e administradoras de benefícios. 

A proposta é alterar a Resolução Normativa 395/2016, ampliando o escopo do regramento normativo para alcançar administradoras de benefícios e demandas não assistenciais, visando a criação de regras que estimulem os entes regulados para que desempenhem melhor suas funções no relacionamento com o usuário.

Trata-se da salutar transição da uma regulação de ordem e comando, em que o enfoque é o estabelecimento de obrigações e punições, para uma regulação responsiva, focado na criação de incentivos regulatórios e econômicos, a fim de estimular ações colaborativas e preventivas por parte dos entes regulados, evitando que as queixas dos beneficiários venham a originar a abertura de demandas NIP junto à ANS, e até mesmo a judicialização.

Este movimento é de extrema relevância. O engajamento da agência com o aprimoramento e criação de normas que efetivamente funcionem como incentivo e melhoria nos processos ligados à assistência representa uma sinalização positiva para o mercado e um grande avanço na direção das boas práticas regulatórias, que têm como com foco medidas preventivas por meio de incentivos, e não a punição.

Há alguns meses, durante reunião ordinária da Câmara de Saúde Suplementar, a Diretoria de Fiscalização (DIFIS) da ANS apresentou a proposta normativa de alteração da RN 395/2016, sugerindo, entre outras medidas:

expandir o escopo da norma de forma a contemplar administradoras de benefícios e demandas não assistenciais;
a ampliação do papel das ouvidorias;
a instituição pelas próprias operadoras de metodologia própria para medir a resolutividade das demandas no âmbito das respectivas centrais de atendimento;
atendimento virtual obrigatório;
atendimento presencial e telefônico a ser mantido de acordo com o porte/modalidade de cada operadora;
aumento para o prazo de cinco anos do prazo de guarda das gravações;
ampliação da clareza sobre o que se entende por “resposta” ao beneficiário; e 
fixação de metas de IGR visando induzir mudança no comportamento dos agentes regulados. 

Como forma de incentivo para que as operadoras alcancem as metas, também foram propostos benefícios relevantes como a divulgação em destaque pela ANS da lista das operadoras que atingiram as metas; e o aumento no percentual do desconto para pagamento antecipado à vista da multa, de 40% para 60%, referente às infrações de negativa de cobertura, alterando a redação do art. 33 § 1º da RN 438/2022.

A proposta de alteração da resolução normativa foi levada à consulta pública, mas os resultados das contribuições obtidas ainda estão sendo consolidados pela ANS. Existe ainda um longo caminho a ser percorrido até a aprovação das alterações normativas, mas o movimento da agência pode ser observado como um importante sinalizador de tendência regulatória.

Com essas medidas, a ANS retira o foco do aspecto punitivo, avalia a experiência positiva das NIPs e propõe incentivos às operadoras que atendam às metas. Dessa forma, além de reduzir os índices de reclamações e o volume de multas imputadas às operadoras, contribui para fomentar o movimento essencial de melhora na relação e diálogo entre beneficiários e operadoras, gerando valor e resultados que impactam positivamente na qualidade assistencial prestada aos consumidores. 

Dentro da estrutura tão complexa da saúde suplementar, a acolhida do beneficiário nos canais de atendimento da operadora e o movimento da agência em incentivar a melhoria e a efetividade desses canais exercem um papel fundamental, capaz de impactar todo sistema.

Isso reflete uma verdadeira mudança de paradigma do modelo regulatório de comando e controle, fundamentado na coação e na autoridade estatal, para a regulação responsiva, estimulando o cumprimento voluntário das normas por meio de incentivos aos entes regulados, em um ambiente de diálogo e interação, o que pode ser um caminho para a criação de mudanças estruturais e profundas que impactarão positivamente o cenário da saúde suplementar. 

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