As vigas do sistema tributário foram fortalecidas pela reforma tributária de 2023 ao se registrar na Constituição Federal princípios estruturais, sendo eles: a simplicidade, a transparência, a justiça tributária, a cooperação e a defesa do meio ambiente (artigo 145 §3º). Ao mapearem os caminhos que a tributação deve seguir em sua disciplina normativa, interpretação e aplicação, tais valores compõem a estrutura do sistema, concernente a tributos reformados ou não.
A modelagem do processo como instrumento desses valores é consequência de tais princípios, porque é, especialmente por via de seu curso, que as normas do sistema serão operadas e seus objetivos alcançados.
A missão, portanto, é compreender a formatação de tais princípios ao processo – quanto aos procedimentos, órgãos e sujeitos. Isso, porque o conteúdo dos princípios pode não corresponder em exata medida nos âmbitos material e processual, como ocorre com a simplicidade, que opera de forma particular no processo, ainda que evidenciada a sua aplicabilidade nesse campo pelo artigo 66 no PLP 108/2024, apresentado pelo Executivo ao Congresso em junho.
Nesse texto, trazemos à luz a definição do princípio da simplicidade no contencioso tributário – sublinhando que esse valor encontra respaldo no Código de Processo Civil de 2015 – aplicável à esfera tributária, conforme seu artigo 15, bem como nas oito propostas que compõem o conjunto da Reforma do Processo Tributário (Ato Conjunto 1/2022 do Senado Federal e do STF).
A simplicidade no ambiente processual funciona a partir de um foco pragmático, voltado para sua finalidade integralmente útil e resolutiva da controvérsia. Para tanto, a simplicidade recomenda a descrição clara, acurada e eficiente dos mecanismos processuais como sequências lógicas de atos em cooperação dos sujeitos.
Longe de ser prosaico, o valor do simples no processo está em sua direção finalística – que oferece respostas a partir de uma disciplina detalhada e objetiva para uma execução clara, porque a segurança está intrinsecamente relacionada à informação inteligível e a instruções que permitam o uso não intrincado, fluido e harmônico, inclusive, das alternativas possíveis e adequadas, como métodos de prevenção e solução consensuais de controvérsias.
A princípio, as disciplinas da sequência de atos processuais, da composição e da atuação das instituições e dos sujeitos podem ser consideradas complexas e antagônicas à simplicidade como valor processual. No entanto, tal complexidade é apenas ilusória, porque é a regulamentação objetiva e voltada ao resultado útil que promove a simplicidade, princípio esse que, na esfera processual tributária, funciona a partir da segurança, da harmonização e da previsibilidade.
É exatamente com esse teor que o presente texto defende a relevância de se disciplinar com inteligibilidade e detalhamento o processo tributário associado à reforma da Emenda Constitucional 132/2023, considerando, inclusive, que há regramentos processuais já existentes e aplicáveis, além da reforma projetada do processo tributário em discussão no Congresso, que devem estar harmônicos entre si.
O PLP 68/2024, primeiro projeto de lei complementar apresentado pelo Executivo federal para regulamentar a reforma tributária oferece diretrizes gerais para a simplicidade, revelando um conteúdo axiológico relevante, em especial, porque estabelece: (i) a substituição do ICMS, PIS, Cofins e ISS pelos tributos IBS e CBS – tributos-irmãos; (ii) a criação do Comitê Gestor do IBS; (iii) a constituição de órgãos de harmonização do IBS e da CBS: o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias; (iv) a divisão da competência para fiscalizar o cumprimento das obrigações fiscais e constituir créditos tributários entre os Auditores-Fiscais da Receita Federal (CBS) e as autoridades fiscais das administrações tributárias dos entes subnacionais (IBS), ao mesmo tempo em que busca a convergência dos referidos tributos.
O PLP 108/2024 é o segundo projeto a regular a reforma, abordando em seu título II do Livro I o processo tributário administrativo ao disciplinar, entre outros temas, normas processuais gerais, lançamentos de ofício e órgãos de julgamento do contencioso tributário administrativo e modalidades de manifestações nesse processo.
Esse artigo defende que a regulamentação do processo tributário seja pavimentada pelo princípio da simplicidade, considerado em sua feição processual, que, como já se disse – deve respeitar uma formalidade detalhada e clara (embora não excessiva, mas finalística), para garantir o exercício dos direitos constitucionais endereçados aos sujeitos processuais, não se confundindo agilidade com imprecisão, acuracidade com excesso de rigidez, muito menos, simplicidade com superficialidade.
Nesse sentido, independentemente das possibilidades de melhoria, o PLP 108/2024 apresenta o contencioso administrativo de maneira minuciosa e direta em diversos aspectos, indicando nos artigos 83 a 98 (capítulo III do referido título II) as etapas sequenciais do procedimento fiscal desde o seu início, com a apresentação da impugnação pelo sujeito passivo, prazos uniformizados para manifestações dos sujeitos (salvo previsão expressa de forma diversa), previsão da possibilidade da realização de diligências fundamentadas, forma das intimações, recursos e hipóteses de cabimento, desistência nas modalidades expressa e tácita.
A proposição ainda se encontra na fase inicial do processo legislativo e deverá ser analisada, discutida e aprimorada até a sua conversão em norma jurídica e, assim, destacamos dois pontos de atenção.
Parece-nos ideal conjugar os procedimentos administrativos dos dois tributos-irmãos (CBS e IBS), estruturando um único regramento capaz de operar igualmente para ambos, independentemente do órgão de julgamento de cada um dos tributos, porque o processo precisa servir como instrumento à harmonização dos dois tributos em suas vidas práticas.
De toda forma, é também importante que se disponha com clareza nesse regramento conjunto acerca da perspectiva processual da harmonização realizada pelos Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias (indicados no PLP 108).
O segundo ponto consiste no incidente de uniformização de matérias repetitivas (artigo 98), que é inovação no processo administrativo tributário e envolve hipóteses de repetição de julgamento da mesma questão de direito, como instrumento análogo ao incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), nos artigos 976 a 987 do CPC/15.
O que se conhece sobre esse incidente de uniformização no PLP 108 é a competência para julgar atribuída à Câmara Superior do IBS e sua vinculação para casos pendentes e futuros com a edição de súmula com a tese decidida. Entendemos que são excessivos os pontos desse incidente delegados para atos do Comitê Gestor do IBS, dentre os quais: hipóteses de cabimento e legitimados, que poderiam estar mais claramente estruturados no Projeto, para compreensão de seu efetivo funcionamento e operacionalização de seu propósito.
Portanto, aqui, embora positiva a iniciativa do instituto no contencioso administrativo, observa-se que a simplicidade foi substituída por superficialidade e pode ser aprofundada para que o incidente ganhe maior profundidade processual.
Simples é diferente de superficial, porque está relacionado à segurança e à previsibilidade da busca pelo resultado integral e útil como propósito do processo. Por isso, a regulamentação simples pode parecer complexa, mas esse conceito é diverso da formalidade excessiva, porque é a clareza de objetivo e a segurança que conduzem os detalhes da regulamentação à acuracidade necessária à simplicidade no processo.
A simplicidade como valor operado no processo tributário tem, inclusive, o potencial de aumentar a eficiência do sistema tributário e da arrecadação prévia ou posterior à controvérsia jurídica.