A retomada do Mais Médicos: polêmicas e desafios

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Instituído pela Lei nº 12.871 de 22 de outubro de 2013, o programa Mais Médicos tem como objetivo formar profissionais na área médica para o Sistema Único de Saúde (SUS), de modo a garantir o acesso da população à saúde e proporcionar melhorias no SUS. A fim de garantir que esse objetivo alcance todos os brasileiros, o programa se propõe a expandir a presença de profissionais de saúde nas regiões onde há escassez ou ausência de médicos, tanto pela abertura de novos cursos de medicina, como pelo aumento das vagas em cursos existentes.

O Mais Médicos inaugurou uma nova sistemática para abertura de cursos de medicina por meio de chamamento público[1], via edital. Os editais apresentam uma lógica de seleção dupla (matching), que vincula a seleção da melhor proposta de curso ao município previamente selecionado pelo Poder Público.

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A definição das regiões de saúde onde serão instalados novos cursos é realizada pelo Ministério da Saúde, por meio de estudos que identificam regiões nas quais há necessidade de novos cursos de medicina, e onde há capacidade para sua instalação (equipamentos e serviços de saúde mínimos). A definição de critérios para a seleção das instituições de ensino é realizada pelo Ministério da Educação em editais específicos. Até o momento, haviam sido publicados 4 editais de chamamento público. Em 2014, 2017 e 2018 para seleção de mantenedoras de instituições de ensino superior privadas e apenas um edital em 2014 para seleção curso de medicina em unidade hospitalar.

Em abril de 2018, contudo, o MEC impôs uma moratória a novos cursos de medicina: suspendeu, por 5 anos, novos editais e vedou a autorização de novas vagas. A moratória acarretou intensa judicialização, culminando – contrariamente ao pretendido – na abertura de novos cursos e na determinação de análise pelo MEC de mais de 200 pedidos de autorização de novos cursos de medicina no país, por força de determinação judicial. O problema é que os cursos abertos pela via judicial não precisavam cumprir com as contrapartidas do Mais Médicos — basicamente, um maior comprometimento com o SUS local.

O tema foi submetido ao Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de controle concentrado de constitucionalidade. A Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) n. 81, foi proposta pela Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), em defesa do procedimento de chamamento público para abertura de novos cursos de medicina. A associação defendeu que a judicialização geraria efeitos negativos para a política pública, e requereu a declaração de constitucionalidade do artigo 3º da Lei 12.871/2013 e a anulação de decisões judiciais que pretenderam abrir novos cursos de medicina fora do Mais Médicos. Por outro lado, a ADI n. 7.187, visa a declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo legal. Sob o argumento de violação dos princípios da autonomia universitária e da livre concorrência, o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), requereu a suspensão do procedimento de chamamento público de forma definitiva.

O ministro Gilmar Mendes, relator de ambas as ações, em decisão cautelar bem fundamentada, decidiu por “assentar a constitucionalidade do art. 3º da Lei 12.871/2013 e estabelecer que a sistemática do dispositivo é incompatível com a abertura de novos cursos de medicina com base na Lei 10.861/2004, bem assim com a autorização de novas vagas em cursos já existentes, sem o prévio chamamento público e a observância dos requisitos previstos na Lei 12.871/2013”. O ministro fixou a constitucionalidade dos editais de chamamento público do programa Mais Médicos, mas, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, permitiu a continuidade dos cursos já autorizados, bem como a continuidade de tramitação dos processos administrativos instaurados por força de decisão judicial que já tivessem ultrapassado a fase inicial de análise pelo MEC.

O julgamento de mérito das ações ainda está em andamento, tendo havido divergência inaugurada pelo ministro Edson Fachin em relação à continuidade dos processos administrativos que tramitam por força de decisões judiciais. Atualmente, em razão de pedido de vista do ministro André Mendonça no dia 26 de setembro, o julgamento está suspenso, faltando os votos de 7 dos 11 ministros da Corte.

Nesse contexto, no dia 4 de outubro, o Ministério da Educação publicou novo edital de chamamento público com as regiões de saúde e os municípios elegíveis, assim como os critérios para seleção de novos cursos de medicina, retomando, assim, o o programa.

Por meio de diagnóstico inicial, e sendo fixada como meta futura o indicador de 3,3 médicos a cada mil habitantes – número recomendado pela OCDE, os ministérios da Saúde e da Educação identificaram a necessidade de abertura de aproximadamente 10 mil novas vagas de medicina no país. Com isso, foi fixada a abertura do edital de chamamento público com um total de 5.700 vagas em 95 novos cursos de medicina em instituições de ensino superior privadas, 2 mil vagas para expansão dos cursos já existentes, e mais 2 mil vagas para futuras iniciativas de expansão das universidades públicas federais.

O novo edital pré-selecionou 116 regiões de saúde, que contemplam 1.719 municípios, distribuídos em 23 unidades federativas. Cada instituição poderá apresentar no máximo duas propostas, sendo apenas uma por estado. As propostas apresentadas serão analisadas em 4 etapas: admissibilidade, capacidade econômico-financeira, mérito e experiência regulatória. As duas primeiras etapas são eliminatórias e as outras duas, classificatórias. Será dispensada a comprovação de capacidade econômico-financeira para instituições de ensino credenciadas pelo MEC há mais de 20 anos.

O prazo para início de submissão das propostas se inicia no dia 17 de novembro, sendo que há pressão do setor educacional para revisão de critérios definidos no novo edital e até mesmo para sua suspensão, o que pode ser indicativo de que o edital pode vir a ser objeto de nova judicialização.

Com efeito, considerando uma política pública que acabou de completar 10 anos de existência e após mais de 5 anos de paralisação forçada, havia grande expectativa de que o MEC trouxesse inovações e corrigiria equívocos e atecnias cometidos nas edições anteriores. Não foi o que ocorreu. O novo edital de 2023 praticamente reproduz os editais anteriores, sem quase nenhum ineditismo.

Podemos destacar pelo menos três pontos que poderiam ser revistos no edital 1/2023:

Omissão na definição de regras específicas para abertura de cursos de medicina por unidades hospitalares (hospitais de excelência), nos termos do §5° do art. 3° da Lei 12.871/2013;
Definição de critérios de pontuação na etapa “experiência regulatória” que acabam por favorecer instituições que já possuem cursos de medicina em detrimento daquelas que possuem expertise na área da saúde de forma geral, inclusive com hospitais e unidades de saúde próprias;
Ausência de transparência dos dados e da metodologia utilizados para a pré-seleção das unidades territoriais nas quais serão instalados os novos cursos de medicina do país, bem como da limitação de oferta de 60 (sessenta) vagas anuais indistintamente para todos os novos cursos a serem criados, sem observar a estrutura dos serviços e equipamentos de saúde instalados na região.

A retomada de aguardada política pública gerou na realidade grande frustação para aqueles que esperavam um edital inovador que corrigisse erros do passado e aumentasse a transparência dos editais. Os problemas mencionados podem resultar em judicialização que atrapalhe a plena retomada do Mais Médicos. Ainda há tempo de corrigir equívocos.

[1] Lei n.º 12.871/2013, Art. 3º – “A autorização para o funcionamento de curso de graduação em Medicina, por instituição de educação superior privada, será precedida de chamamento público, e caberá ao Ministro de Estado da Educação dispor sobre”