Continua indefinida a regulamentação, pelos estados, da transferência de créditos de ICMS relacionados a operações interestaduais entre empresas da mesma pessoa jurídica. Após reunião extraordinária do Conselho de Política Fazendária (Confaz) na última segunda-feira (27), os representantes dos estados optaram por submeter o tema ao Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (Conpeg).
A principal questão — que fez com que um convênio sobre o tema fosse rejeitado em 20 de novembro — gira em torno da obrigatoriedade de transferência dos créditos. No âmbito do Conpeg, os procuradores analisarão se o Supremo Tribunal Federal (STF), ao tratar do assunto na ADC 49, concedeu aos contribuintes a faculdade de transferir os créditos, ou se, em sentido oposto, definiu a transferência como obrigatória.
A análise, segundo representantes dos estados ouvidos pelo JOTA, deve ser rápida. Espera-se a apreciação do tema em reunião extraordinária do Confaz a ser realizada nesta sexta-feira (1º). As unidades federativas correm contra o tempo, já que o STF, ao modular a ADC 49, previu que os estados devem regulamentar o tema até o final de 2023. Caso contrário, os contribuintes poderão transferir os créditos mesmo sem o aval das unidades federativas.
Em paralelo, há a ameaça de análise, pelo Congresso, do PLP 116/2023, que também trata da transferência de créditos de ICMS. Caso passe pelo Legislativo, porém, a proposta deve ser judicializada, já que os estados questionam os termos do projeto e entendem que cabe às unidades federativas, e não ao Legislativo, a regulamentação.
Deverá ou poderá?
A discussão entre os estados está diretamente ligada à ADC 49, por meio da qual o Supremo definiu que não há a incidência de ICMS nas operações interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular. Posteriormente, por meio de embargos de declaração, os ministros destacaram que as empresas podem transferir os créditos gerados nestas situações.
Ainda, foi promovida uma modulação “para frente”, para que os efeitos da decisão tenham efeitos a partir de 1º de janeiro de 2024. Nas palavras do ministro Edson Fachin, relator do caso, exaurido o prazo sem que os estados disciplinem a transferência, “fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos”.
O tema chegou a ser aprovado pelo Confaz, com a publicação no Diário Oficial da União, em 1º de novembro, do Convênio Confaz 174/23. O texto previa a transferência como obrigatória nos casos de operações interestaduais entre empresas da mesma pessoa jurídica e, entre outros pontos, trazia uma forma distinta de apuração do ICMS para mercadorias não industrializadas, impactando no creditamento.
Menos de 20 dias depois, entretanto, o convênio foi surpreendentemente rejeitado, por conta da discordância do estado do Rio de Janeiro, que decidiu por não ratificar o texto. A unidade federativa anunciou, por meio do Decreto 48.799/23, não concordar com a obrigatoriedade da transferência, por ver a operação como optativa aos contribuintes, de acordo com a decisão do STF na ADC 49.
Ao JOTA, um interlocutor próximo à Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro afirmou que a aprovação do Convênio 174 foi feita de “forma açodada”, e que a parte relacionada à obrigatoriedade da transferência dos créditos passou despercebida por alguns estados. Da forma como está, a depender da operação, o texto pode ser ruim.
Ainda segundo a fonte, não é só o Rio de Janeiro que se opõe ao texto. Goiás, por exemplo, também seria contra a obrigatoriedade. A fonte admitiu ainda que a aprovação do Convênio 174 poderia resultar em judicialização.
Representantes dos estados afirmaram que, em tese, por não tratar de benefícios de ICMS, o Convênio 174 não precisaria de unanimidade no Confaz. No entanto, como no momento de aprovação do texto havia unanimidade dos presentes, a redação fez referência à Lei Complementar 24/1975. Esta sim trata da concessão de isenções do ICMS e exige unanimidade para a aprovação de convênios. Frente ao recuo do estado do Rio de Janeiro, a opção foi por rejeitar o convênio, para evitar uma judicialização sobre a necessidade ou não de haver unanimidade.
Chegou-se a cogitar uma nova edição do texto, porém sem a menção à LC 24/75. Ao final, entretanto, os estados optaram por enviar o tema ao Conpeg, com a expectativa de celeridade na análise do assunto.
Caso a caso
Ao JOTA, um interlocutor de um estado favorável ao texto do Convênio Confaz 174 afirmou que, além de entender que a redação está de acordo com a decisão do STF, a opção pela transferência poderia gerar um novo tipo de planejamento tributário. “Teremos um impacto sistêmico e uma nova fase de guerra fiscal baseada na triangulação por estados que possuam incentivos fortes”, disse.
Representantes dos contribuintes, porém, defendem que a transferência deve ser uma opção do contribuinte. O advogado Luiz Eduardo Costa Lucas, do Martinelli Advogados, salienta que é preciso analisar caso a caso, e que em determinadas situações a manutenção dos créditos na origem é melhor.
Já o advogado Eduardo Salusse, do Salusse, Marangoni, Parente, Jabur Advogados, considera que a obrigatoriedade de transferência criaria uma situação semelhante à da não incidência de ICMS sem a possibilidade de transferência de créditos. Enquanto na última hipótese os créditos ficariam “presos” na origem, com a obrigatoriedade de transferência os créditos seriam necessariamente repassados ao estabelecimento de destino.
“Com o Convênio [174/23], os créditos irão necessariamente para o destino. Mas muitos contribuintes não desejam isso, pois têm, na origem, outras operações com débito para serem compensadas com estes créditos”, afirmou.
PLP 116/23
Em paralelo aos debates no âmbito do Confaz, o tema da transferência de créditos de ICMS é tratado no PLP 116/2023. Em 22 de novembro um pedido para que o projeto tramite em regime de urgência na Câmara chegou a entrar na ordem do dia do Plenário, mas não foi votado.
Caso aprovado, porém, o texto deve ser judicializado pelos estados. Entre outros pontos, as unidades federativas entendem que a proposta seria contrária ao que o STF determinou na ADC 49. Nos embargos de declaração, foi vencedora a posição de que o tema poderia ser regulamentado pelos próprios estados, sem precisar de lei complementar.
A proposta prevê que, mesmo sem a incidência do ICMS, os créditos sejam aproveitados. Alternativamente — em um ponto questionado pelos estados — as companhias podem optar pelo pagamento do tributo estadual na transferência de mercadorias.