Cabe reequilíbrio porque caiu a TIR dos novos projetos no mesmo setor?

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É muito comum se falar que caberia reequilíbrio de contratos de concessão em curso em favor do poder concedente/usuário por melhoria dos fundamentos econômicos do país ou do risco setorial que tenha por efeito reduzir a rentabilidade de referência usada para modelar novos projetos naquele setor específico.[1]

O problema se põe geralmente como uma espécie de direito do usuário e do poder concedente de pagar uma tarifa ou contraprestação justa, adequando o preço do serviço às novas circunstâncias do país ou do setor específico.

Nas linhas a seguir, pretendo mostrar que: (a) a ideia que caberia reequilíbrio por queda da rentabilidade de referência de novos projetos se baseia em um equívoco conceitual sobre o que é a rentabilidade de referência; (b) a melhoria dos fundamentos econômicos do país não necessariamente tem impacto sobre as receitas e custos dos contratos em curso e, portanto, não gera direito de reequilíbrio para qualquer das partes do contrato.

O equívoco conceitual sobre a TIR e amortização do investimento do concessionário

A TIR de referência de um projeto de concessão ter ficado mais alta que as taxas de rentabilidade aplicáveis posteriormente ao mesmo mercado não caracteriza evento de desequilíbrio a favor do usuário/poder concedente.

Tecnicamente, a rentabilidade esperada de um projeto deveria ser fixada no momento da decisão de investimento

É nesse momento que o investidor pondera a rentabilidade esperada do seu investimento na concessão vis a vis os riscos envolvidos nesse investimento e decide por alocar os seus recursos na concessão.

Essa decisão, no caso das concessões, se dá no momento da realização da proposta na licitação. É nesse momento que o investidor se compromete em realizar o investimento, considerando os preços previstos no edital e na sua proposta (tarifa, pagamento pela outorga, pagamento público, aporte público etc.), os custos dos investimentos, operação, tributos, capital etc. e as regras sobre distribuição de riscos, equilíbrio econômico-financeiro, modelo regulatório previstas no contrato e nas normas legais.

Feito o investimento, a sua amortização se faz de forma parcelada ao longo dos 20, 30 ou mais anos de vigência do contrato.

Se a rentabilidade para novos projetos cai, por consequência, por exemplo, da melhoria econômica do país ou do ambiente setorial, isso não deveria ter nenhum impacto sobre os preços e o parcelamento já fixado nos contratos de concessão em curso.

Para explicar isso melhor, basta fazer uma analogia simples: se alguém compra um carro e divide em 60 parcelas. O preço desse carro (e, portanto, o valor das parcelas) é fixado no momento da compra do carro. Pouco importa se durante os 60 meses de pagamento do parcelamento o preço de um carro igual ou semelhante no mercado suba ou caia. Essa variação do preço dos carros no mercado não impacta o compromisso e o valor do parcelamento já contratado.

Portanto, me parece que a discussão sobre a mudança de TIR em investimentos já contratados ou já realizados me parece um erro conceitual. Como um preço pela alocação do capital no projeto, a TIR de referência de um projeto não deveria ser alterada por consequência de mudanças na economia do país ou na economia do setor que levem à sua redução nos projetos posteriores.

A queda da TIR em novos projetos como evento de desequilíbrio?

Uma outra forma de verificar se há direito a reequilíbrio dos usuários/poder concedente em uma concessão em curso por consequência da redução da rentabilidade de referência em novas concessões no mesmo setor é mensurar os impactos dessa circunstância sobre as receitas e sobre os custos do projeto em curso.

É comum se alegar que a melhoria dos fundamentos econômicos do país é algo imprevisível e, portanto, se enquadraria na exigência, que constava do art. 65, inc. II, alínea “d” da Lei 8.666/93, e que atualmente consta do artigo 124, da Lei 14.133/20.

Mas, para que haja direito à reequilíbrio usando esses dispositivos, é preciso demonstrar o impacto dessa melhoria dos fundamentos econômicos do país sobre as receitas (nesse caso, um crescimento inesperado da receita) e sobre os custos (nesse caso, uma queda relevante dos custos). No caso do dispositivo da Lei 8.666/93, exige-se que haja impacto extraordinário sobre a receita ou sobre os custos. No caso, do dispositivo da Lei 14.133/20, não há exigência do impacto extraordinário para incidência do dispositivo, mas, evidentemente, é preciso demonstrar o impacto, sob pena de não haver, de não existir, de não se configurar evento de desequilíbrio.

Aí reside o ponto central: a melhoria dos fundamentos econômicos do país ou setoriais, que geram redução da rentabilidade de referência de novos projetos no setor geralmente não tem impacto sobre as receitas e sobre os custos dos projetos em curso.

Vale a pena olhar o caso dos projetos de concessão federal de rodovias da primeira etapa. Esses projetos foram licitados entre 1994 e 1998 e tinham taxas de retorno de referência de projeto muitas vezes acima de 20%. A melhoria dos fundamentos econômicos do país que ocorreu entre o ano 2000 e 2014 aparentemente não teve, contudo, nenhum impacto em termos de aumento de receitas ou queda dos seus custos estimados. Na verdade, boa parte desses projetos estiveram durante toda a vigência dos contratos com curvas de demanda efetivas abaixo das curvas de demanda estimadas nos seus planos de negócios.

Como então caracterizar evento desequilíbrio a favor do poder público/usuário se não houve impacto positivo sobre as receitas esperadas ou impacto negativo sobre os custos do concessionário?

Portanto, tecnicamente não me parece que faça sentido se falar em direito a reequilíbrio dos usuários/poder público em projetos em curso por redução da TIR de referência em projetos novos no mesmo setor.[2]

[1] O autor gostaria de agradecer a Thiago Mesquita Nunes pela discussão do tema, que terminou gerando o incentivo para a elaboração deste artigo. Os erros evidentemente são de exclusiva responsabilidade do autor.

[2] Em virtude do disposto no artigo 5°, inc. IX, da Lei 11.079/04, há, em alguns contratos de PPP, a exigência de compartilhamento de ganhos decorrentes de refinanciamento. A ocorrência do refinanciamento não se caracteriza como evento de desequilíbrio e, portanto, creio que não seja pertinente tratar desse tema no presente artigo. Mas, já comentei esse tema no passado no livro Comentários à Lei de PPP – Fundamentos Econômico-Jurídicos, São Paulo, Malheiros Editores, 2007, escrito em coautoria com Lucas Navarro Prado.

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