Aplicação subsidiária da nova Lei de Licitações às concessões e PPPs

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O debate sobre “normas gerais” da Lei de Licitações usualmente se dá a propósito do art. 22, inc. XXVII, da Constituição, que atribui à União competência privativa. Trata-se da necessidade de que certos temas de relevância plurifederativa sejam harmonizados nacionalmente. Conceito que poderia ser apelidado como de “incidência vertical”: normas elaboradas pela União a vincular Estados, Distrito Federal e Municípios. Para esse preceito da Constituição, tanto a Lei 8.666/1993 como a 8.987/1995 são normas gerais de licitações e contratos, eis que incidem em todas as entidades federativas. Todavia, o conceito de “normas gerais” aí não se esgota – e é muito importante que tenhamos consciência disso.

A ideia de “norma geral” versus “norma especial” também diz respeito ao Direito Intertemporal (LINDB, art. 2º, §§ 1º e 2º). Aqui, ela não é pertinente ao federalismo, mas a pseudoconflitos de leis no tempo: a lei geral posterior não ab-roga a lei especial anterior e vice-versa (a não ser expressamente). O que a lei especial faz é criar hipóteses particulares, a conviver com as gerais. Daí que a Lei 8.987/1995 (concessões), a Lei 11.0179/2004 (PPPs) e mesmo a Lei 12.462/2011 (RDC) não retiraram do sistema a Lei 8.666/1993, eis que positivaram licitações e contratos especiais, blindando-os em face da legislação geral. Podemos chamar esse fenômeno de “incidência horizontal” de leis, a desautorizar a confusão de que a “lei geral de licitações” incidiria irrestritamente sobre as “especiais”. Isso é uma contradictio in terminis, eis que a lei especial se destina a excepcionar a lei geral e assim com ela conviver. O conceito “vertical” (federativo) coabita, mas não parametriza o “horizontal” (intertemporal).

A Lei 14.133/2021 parece ter prestado atenção a essa barafunda geradora de verdadeiro de legal shopping (cada aplicador escolhe a sua), eis que tentou resolvê-la por meio do art. 186: “Aplicam-se as disposições desta Lei subsidiariamente à Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, à Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, e à Lei 12.232, de 29 de abril de 2010.” Prestemos atenção ao advérbio, eis que subsidiar significa auxiliar, ajudar, apoiar. Não é sinônimo de revogar nem de subordinar.

Em termos interpretativos, aplicação subsidiária é aquela que se dá em segundo plano, diante de lacunas normativas. Uma lei especial precisará de apoio da lei geral se e quando não dispuser de preceito regulador da situação factual posta a análise. Se houver, ele será próprio da lei especial e deverá ser aplicado. Não se trata de escolha posta entre qual lei aplicar, mas da busca de uma solução. Por exemplo, os arts. 147 (dever de preservação dos contratos) e 151 (métodos adequados de solução de conflitos) da Lei 14.133/2021: tais preceitos inexistem nas leis de concessões e PPPs, a elas são harmônicos e autorizam aplicação subsidiária. Tomemos cuidado, portanto, para não repetir o tumulto normativo instalado pela interpretação equivocada da Lei 8.666/1993.