Guerra na Ucrânia, conflitos armados, aquecimento global, armas de extermínio em massa nas mãos de governos cada vez mais instáveis e uma iminente escassez energética que se desenha num horizonte de eventos ainda maior. Estas são apenas algumas das crises que permeiam e dão o tom da contemporaneidade.
Até pouco tempo, todas elas eram consideradas crises autônomas. Cada uma no seu quadrado e cada uma com seu respectivo estrago.
Entretanto, com todos os desdobramentos particulares indo desaguar no oceano de uma mesma catástrofe, elas passam agora a ser seriamente enxergadas e discutidas como parte de um sistema interconectado de catástrofes que tem apenas um destino: o apocalipse. A essa visão holística de uma crise que se desenvolve em nossas mentes e culturas como uma temível e virulenta Hidra de Lerna (da qual não se pode cortar uma cabeça sem que outra nasça em seu lugar), dá-se o nome de metacrise.
De acordo com Daniel Schmachtenberger, filósofo e membro fundador do The Consilience Project, o conceito de metacrise ajuda a acessar e a melhor compreender a totalidade dos riscos que o mundo atualmente enfrenta. Para ele, entender o cenário da maneira mais completa possível é um passo importante para se trabalhar soluções e medidas necessárias para reverter o quadro atual antes que seja tarde demais.
Aceleração artificial
Recentemente, seguindo os passos de outros países, houve mais uma tentativa de se discutir a sério a regulamentação do uso de Inteligência Artificial, por meio do Projeto de Lei n° 2338, de 2023, que tramita na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA). As conclusões? Quase nenhuma. Afinal, inúmeras são as questões que precisam ser resolvidas, debatidas, aprofundadas e reformuladas antes de qualquer decisão. Transparência, ética e garantias fundamentais são apenas algumas delas.
Dentro do contexto da metacrise, as novas tecnologias desempenham papel crucial. Mais do que se configurarem como uma crise particular em si mesma, fenômenos como o surgimento e aprimoramento cada vez mais sofisticado de IAs tendem a funcionar como aceleradores das atuais crises globais. Isso porque a velocidade com que a tecnologia avança é desproporcional à nossa capacidade de criar planos de contenção.
Ou seja: quando o assunto é tecnologia, estamos sempre a colocar o carro na frente dos bois.
Uma questão jurídica
A desaceleração da metacrise passa forçosamente pelo exercício de olhar as atuais e futuras tecnologias sob novas perspectivas, que por sua vez devem ser balizadas pelo crivo do saber jurídico. Marcos regulatórios, audiências públicas, projetos de lei e outros mecanismos continuarão a surgir, na tentativa de acompanhar as demandas por soluções integrais em um mundo de mentalidade cada vez mais fragmentada e dispersa.
O problema está no fato de que também existe um visível e natural descompasso entre o Direito e o desenvolvimento tecnológico. Enquanto aquele é guiado por uma cautela justificada, este carrega em si uma ansiedade que limita o processo de reflexão profunda e permite apenas reações imediatas, que quase sempre necessitam de revisões futuras.
É preciso, então, uma mudança de rota conceitual dentro do universo jurídico. Uma que envolva a compreensão das profundas e incontornáveis conexões entre as crises que nos assolam em nível global. De que não adianta combater um problema sem atentar-se a outro. Só assim será possível fazer propostas que sejam realmente eficazes e não apenas tratamentos paliativos para um mundo em agonia, mas que insiste em fingir que tem plena posse de todas as suas forças vitais e racionais.
Enquanto isso, o tempo urge. E com ele, a cada ano que passa, a cada novidade tecnológica apresentada, fica a impressão de que, em algum momento, começamos a participar de uma corrida para a qual não estávamos preparados.