Desarmando a bola de neve dos precatórios federais

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Os precatórios originam de condenações judiciais definitivas contra entes públicos, como a União, estados ou municípios, e materializam uma obrigação de pagamento vinculante que, por lei, entra no orçamento público e deve ser paga de acordo com regras previstas na Constituição Federal. São, portanto, dívidas da Fazenda Pública devidas àqueles que vencem legitimamente nos tribunais disputas jurídicas contra o governo.

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Nos últimos anos, e a despeito dos diferentes governos que estiveram à frente do país, o que se observou em relação aos precatórios federais foi o pagamento regular e rotineiro destas dívidas pelo poder público. Não há histórico neste período de calote ou tentativas de repudiá-los. Isso até 2021, quando a promulgação pelo Congresso das Emendas Constitucionais 113 e 114 (como consequência da PEC dos Precatórios ou PEC do “calote”, como ficou conhecida) introduziu um novo regime de pagamento dos precatórios federais.

Esse regime estabeleceu um limite ou “teto” anual para o pagamento deles até o final do ano de 2026 e foi mal-recebido pelo mercado. O resultado disso é que um estoque relevante de precatórios expedidos deixou de ser pago desde 2022. Além disso, alguns mecanismos introduzidos no novo regime e que poderiam suavizar o sentimento de absoluto retrocesso —como a possibilidade de uso dos precatórios para pagamento de outorgas ou compra de imóveis públicos, bem como a possibilidade de acordos com a União para quitação com desconto de 40% — não foram regulamentados e implementados pelos órgãos da administração pública na prática.

Se o atual regime de postergação perdurar, a moratória se repetirá com os precatórios inseridos no orçamento de 2024, onde sequer os títulos de natureza alimentar – oriundos de processos que discutem salários, vencimentos, pensões, benefícios previdenciários etc. e que gozam de preferência no pagamento – serão integralmente liquidados pelo governo. E esse estoque de precatórios não pagos a cada ano será postergado até o final do atual governo, sem perspectiva sobre o que acontecerá a partir de 2027 com esta dívida bilionária.

Dados oficiais do portal da transparência do Tesouro indicavam um estoque de cerca de R$ 115 bilhões em dezembro de 2022. Esse valor é superior às projeções de volume de precatórios que não seriam pagos a cada ano preparado em novembro de 2021 pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, tendo por base a PEC dos Precatórios que havia sido então aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados. Ou seja, a situação na prática se mostra mais grave do que aquela antecipada pelo governo em 2021.

A reflexão que não pode deixar de ser feita é que, se não há flexibilidade para o particular condenado em juízo pagar suas dívidas com o governo federal, seria razoável o governo se beneficiar de mecanismos que ele próprio introduz para alterar regras consolidadas e permitir o relaxamento da sua obrigação de respeitar decisões judiciais e pagar condenações devidas aos credores?

O precatório deveria servir simplesmente para organizar o pagamento das condenações contrárias ao Poder Público e permitir sua inclusão na previsão orçamentária. E não ser objeto para criar uma violação interminável ao direito dos credores. Muitos já aposentados, pensionistas, idosos e falecidos (com herdeiros habilitados) que brigaram anos e até décadas na justiça, tiveram seu direito reconhecido por decisão final irreversível e, com o precatório finalmente expedido, surge o governo com uma nova manobra para postergar o seu pagamento indefinidamente.

O atual regime representa uma realidade dura, que viola flagrantemente o direito dos credores. Adiar o pagamento dos precatórios é injusto, gera insegurança, torna o endividamento do país mais grave e oneroso e traz questionamento sobre a capacidade do governo de honrar seus compromissos.

Está claro que protelar a solução deste assunto seria o pior caminho e o governo dá sinais de que reconhece a importância do tema e a necessidade de buscar uma resposta para este grave problema.

Estima-se que o efeito “bola de neve” dos precatórios federais pode representar para o governo uma dívida em atraso de R$ 200 bilhões a250 bilhões até 2026, se nada for feito. Como demonstração da disposição e esforço em resolver o erro da PEC dos Precatórios, vimos recente movimentação e declarações públicas de diferentes órgãos do governo, como PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional), AGU (Advocacia-Geral da União), Tesouro Nacional e Ministério do Planejamento. A propósito, no mês de setembro, a AGU ingressou com pedido ao STF – reconhecendo a inconstitucionalidade das ECs 113 e 114 – para buscar derrubar o limite de pagamento de precatórios federais e possibilitar, assim, a imediata quitação do estoque de precatórios expedidos e não pagos em função da alteração do regime.

Há urgência na adoção de novo marco regulatório para reestabelecer a obrigação do governo federal de pagar suas dívidas inadimplidas dos precatórios, como antes, de maneira constante e regular.

Há diferentes caminhos para isso, mas os resultados são inequívocos: traz segurança jurídica, respeito pelas instituições e, acima de tudo, confiança ao mercado local e internacional. Resgata, ainda, a credibilidade do Brasil e sinaliza que o país acata e cumpre decisões judiciais e leva a sério sua dívida pública.