Mais Médicos III: um novo horizonte para a saúde brasileira

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O edital do programa Mais Médicos 2023, apresentado à sociedade no último dia 5 de outubro pelos ministérios da Saúde e da Educação, é, legitimamente, um marco histórico para o ensino de Medicina e para a saúde pública brasileira. O novo instrumento reestabeleceu o norte verdadeiro para o setor, com uma visão da inequívoca importância da fixação de médicos no interior, uma proposta equilibrada para disciplinar a expansão do sistema nacional de ensino médico e dois compromissos fundamentais, com a qualidade da formação e com a melhoria da oferta à população pelos sistemas locais de saúde pública.

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O desequilíbrio na distribuição de médicos no Brasil é tão inconteste quanto a capacidade do programa Mais Médicos de contribuir para a fixação, de forma bem mais eficaz, dos novos profissionais nas cidades de pequeno porte. Segundo estudos recentes (Almeida, C.J.; USP, 2022), cerca de 70% dos profissionais formados em unidades de ensino médico do interior permanecem atuando em municípios com as mesmas características, fora das regiões metropolitanas e capitais. A migração para o interior de médicos formados nas capitais não chega a 15%, como contraponto.

Ao estabelecer a Bonificação de Ineditismo e o Índice de Promoção da Desconcentração Médica, o IPD, como critérios para seleção dos municípios que receberão unidades Mais Médicos III, MEC e MS reestabeleceram o rumo da política pública, realinhando as regras do setor às necessidades da sociedade. Pelo novo edital, todas as regiões de saúde elegíveis para receber o curso médico deverão possuir menos de 2,5 médicos por mil habitantes.

Além de estar ancorado na necessidade real do país e não em dinâmicas mercadológicas, o novo edital também acerta ao criar condições de equilíbrio entre as instituições de ensino interessadas em abrir novas unidades. O fato de haver restrição de número de propostas por mantenedora (até duas, que não podem ser no mesmo estado) abre espaço para que pequenas mantenedoras locais, mesmo que ainda não tenham cursos de Medicina, possam participar do certame com propostas competitivas, já que terão seus projetos bonificados pela presença local e pela qualidade do seu ensino, que será atestada por bons conceitos regulatórios em outros cursos da área da saúde que já estejam ofertando. O edital é também democrático ao dispensar a necessidade de comprovação de capacidade econômico-financeira para instituições com mais de 20 anos de existência. Esses são critérios que recompensam e promovem as mantenedores que vêm fazendo um bom trabalho, na frente de ensino, ao longo dos últimos anos.

Isso faz completo sentido frente ao que pudemos aprender com as edições anteriores do Mais Médicos. Não existe correlação direta comprovada entre porte do município sede, na fase inicial da implantação do curso, e a qualidade da formação médica. Essa qualidade nasce, de fato, de planos pedagógico-acadêmicos sólidos, da seleção e capacitação de bons professores da região e da qualificação dos campos de prática que permitem a atuação adequada durante o aprendizado ao longo do curso, com destaque para o internato, e, claro, após a formatura dos novos médicos.

O edital MM III mantém a essência da grande revolução que já está acontecendo em inúmeras cidades pequenas do Brasil, por meio das contrapartidas das escolas de Medicina ao sistema público de saúde. Assegurar bons campos de prática, com investimentos contínuos em unidades básicas de saúde, policlínicas, CEMs, UPAs, CAPs, maternidades e hospitais locais (sejam novos equipamentos médicos ou melhorias nos existentes) é premissa para o ensino de qualidade e um salto quântico para as redes locais de saúde. Vemos isso em todas as unidades do Mais Médicos I e II onde a realidade da rede local de saúde é outra, absolutamente, após alguns anos de colaboração entre instituições de ensino e Poder Público e investimentos estruturantes.  

O Mais Médicos III é acertado em inúmeras camadas e abre próximos passos importantes. As mantenedoras interessadas precisam agora preparar propostas fortes, ancoradas em qualidade e numa inserção sustentável nos municípios, trazendo também, como novidade, a obrigação do corpo docente ser formado por, no mínimo, 60% de professores com graduação em Medicina. 

Como ponto de melhoria, observam-se oportunidades de ajustes que podem atender melhor às necessidades da sociedade, sobre os quais a ANUP já vem conversando com os órgãos competentes e responsáveis pelo novo edital. Um grande desafio, por exemplo, é concentrar a ampliação das vagas de residência médica em Medicina de Família e Comunidade, cuja exigência do edital é que 70% das novas vagas de R1 (residentes ingressantes), que forem credenciadas, sejam nesta especialidade médica. Em muitos casos, uma melhor distribuição das vagas seria de grande valia, seja pelas restrições da rede de saúde local, existência de cobertura já adequada de médicos de família na região ou mesmo pelas necessidades e demandas específicas do município por outras especialidades médicas, sem desconsiderar a reconhecida importância e resolutividade inequívoca deste profissional para a ordenação e qualificação dos serviços de saúde.

Ao MEC, cabe agora se relacionar com as entidades que acumulam grande experiência no ensino e gestão de cursos médicos, refinar os instrumentos e processos regulatórios que permitam manter em andamento esse ponderado sistema delineado pelo edital – premissas e diretrizes que podem ser também estendidas às escolas já existentes e às oriundas de processos judiciais por meio de liminares. Não há, portanto, obrigação de se autorizar mais 95 cursos médicos – esse é o limite máximo do edital.

Agora, porém, temos a segurança de que, via edital, só serão autorizados aqueles que passarem por todo processo de avaliação e nos quais fiquem comprovadas as condições adequadas para a implantação de um curso médico na rede de saúde correspondente. Aos municípios, cabe o trabalho de análise e definição dos pontos mais críticos no atendimento à população, para que a chegada de uma nova escola de Medicina seja planejada e efetivamente transforme a cidade e a vida de seus habitantes.

As regras estão postas, com equilíbrio e foco. Os atores, dispostos e alinhados, inclusive para contribuir visando o refinamento do processo. A população dessas cidades e regiões, seguramente, agradecerá.