Dança sutil da tributação: uma interpretação do ITBI na realização de capital

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A intricada tributação do ITBI na integralização de capital volta a ser assunto quente e cheio de debates ao seu redor. O Tema 796 de Repercussão Geral, que em tese veio para pacificar o tema, acabou por gerar diversos outros questionamentos acerca da base de cálculo do imposto. O texto trata de maneira simples os principais aspectos sobre a temática ressaltando as implicações fiscais e os desafios legais que os empresários enfrentam ao tomar decisões nesse contexto complexo.

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O universo do direito tributário frequentemente se assemelha a um complexo quebra-cabeça, no qual as nuances e interpretações desempenham um papel crucial. Nesse contexto, as decisões dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal (STF), parecem ter assumido um protagonismo na empreitada de interpretar as normas tributárias, especialmente após a atribuição de natureza normativa a diversos tipos de decisões proferidas por tais órgãos.

A incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Inter Vivos (ITBI) na integralização de capital de empresas não ficou de fora dessas modificações interpretativas.

O epicentro desse dilema reside na imunidade tributária, um escopo muitas vezes enigmático da Constituição Federal. O Tema de Repercussão Geral 796 do STF emerge como limite interpretativo, proclamando que a imunidade não se estende aos bens cujo valor excede o capital social a ser integralizado. Em outras palavras, a jurisprudência do STF clama pela tributação daquilo que transcende tal limite.

Para chegar a essa conclusão, o STF fez a interpretação literal do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88, dividindo-o em duas partes. A primeira parte do artigo que se refere a integralização do capital parece, acertadamente, não condicionar a imunidade a qualquer fator. O mesmo não se pode afirmar quanto às operações de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

As complexidades desta controvérsia se desenvolvem em argumentos fundamentados na legislação federal, notadamente a Lei 9.532/1997 e o Decreto 9.580/2018. Estes normativos concedem uma peculiar abertura ao permitirem que a avaliação dos bens seja balizada pelo valor declarado no Imposto de Renda. Porém, eis o dilema central: em que medida a legislação federal pode modificar a base de cálculo do ITBI?

O dispositivo tem sido utilizado para fundamentar a possibilidade de transferir os bens na realização de capital pelos valores constantes na declaração do imposto de renda, comumente menores do que os valores de mercado. Contudo, anoto, desde logo, que não há uma estrita aderência ao comando legal e aos casos de holdings familiares que, embora tentem regular a sucessão de maneira menos onerosa para os interessados, não constituem transferência por sucessão.

O Código Tributário Nacional (CTN) prevê que a base de cálculo do ITBI será o valor venal do imóvel, revelando-se impossível a modificação do CTN, norma que é materialmente complementar, por meio de lei ordinária. Adotar tal interpretação seria afrontar diretamente o pacto federativo, já que representaria uma indevida invasão nas competências municipais legislativas e tributárias.

Esse é o questionamento mais corriqueiro que se vê chegar ao Judiciário atualmente. Embora o STF esperasse pacificar a situação ao julgar o tema 796, acabou gerando novos debates. Um dos novos argumentos me chama atenção: o STF, ao julgar o tema 796, tratava somente da tributação dos valores destinados à reserva de capital.

Nas palavras do ministro-relator Alexandre de Moraes, “sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI, pois a imunidade está voltada ao valor destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios quitam as quotas subscritas.”

A razão de decidir foi clara: incidirá o imposto municipal sobre os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não são destinados à integralização do capital subscrito.

Tanto é verdade que o próprio relator destaca que a destinação da integralização excessiva se inclui na autonomia da vontade, de modo que sua classificação jurídica pouco importará para a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária que, por definição legal, abster-se-á de considerar denominação e demais características formais adotadas pela lei.[1]

Ainda que essa explicação já fosse suficiente para elucidar o caso, destaco que a Lei 6.404/76, que dispõe sobre sociedade por ações, é clara ao definir reserva de capital como sendo a contribuição do subscritor que ultrapassar o valor nominal.[2]

Portanto, ainda que o contrato não disponha dessa maneira, ao se integralizar um imóvel cujo valor venal é superior às quotas a serem integralizadas, haverá a incidência sobre a diferença, já que o valor se constituirá reserva de capital por definição legal. Embora haja o permissivo legal para utilizar o valor declarado na integralização, não há como negar que o imóvel detém, em quase todos os casos, valor venal extremamente superior, podendo, inclusive, ser utilizado para a obtenção de crédito e prestação de garantia pelo valor venal (valor real de mercado) e não pelo valor declarado desatualizado.

O Direito Tributário tem dessas. Às vezes é como tentar se cobrir com lençol curto: se cobrir a cabeça, os pés ficarão de fora. O STF teve uma nobre intenção de diminuir a litigiosidade sobre o tema interpretando ser a integralização incondicionada, mas criou uma complexidade ainda maior ao dar ensejo a tributação da diferença do valor declarado e valor venal. Caberá ao empresário, portanto, escolher entre pagar o ITBI (que varia entre 2% e 5%, a depender do município) ou corrigir a declaração, ajustando o valor do imóvel e suas integralizações e pagar IR sobre o ganho de capital (15%).

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[1] Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;

[2] Art. 13. É vedada a emissão de ações por preço inferior ao seu valor nominal. § 1º A infração do disposto neste artigo importará nulidade do ato ou operação e responsabilidade dos infratores, sem prejuízo da ação penal que no caso couber. § 2º A contribuição do subscritor que ultrapassar o valor nominal constituirá reserva de capital (artigo 182, § 1º).