Se alguém dissesse há alguns anos que o setor jurídico se tornaria um dos mercados mais atrativos para o capital de risco, poucos acreditariam. O Direito, tradicionalmente associado à rigidez e ao formalismo, parecia estar distante do universo ágil e inventivo das startups. Mas nada como o tempo para mudar essa narrativa.
Hoje, o ecossistema jurídico está em ebulição, com lawtechs brasileiras conquistando aportes milionários e revolucionando o setor. Nos últimos 18 meses, o ecossistema captou cerca de R$ 2 bilhões, consolidando o país como um dos principais pólos globais de inovação jurídica no mundo.
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Essa transformação não foi obra do acaso. Ela é fruto de uma articulação inteligente, organizada e impulsionada por uma comunidade que se estruturou em torno da liderança da AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs).
Fundada em 2017 com apenas 20 associadas, a AB2L viu o movimento crescer até ultrapassar a marca de mil associados ligadas ao setor jurídico-tecnológico, tornando-se a maior associação do segmento no mundo.
Mais do que um ecossistema vibrante, que conecta empreendedores e advogados, a AB2L contribuiu decisivamente para consolidar um novo mercado, aproximando investidores, empresas e o poder público em torno de um mesmo objetivo: modernizar o sistema de Justiça brasileiro e inseri-lo de vez no mapa da inovação jurídica.
O resultado é visível. Em apenas quatro edições, a AB2L organizou aquele que já é o segundo maior evento de inovação jurídica do mundo, reunindo mais de 6.000 participantes e atraindo olhares de investidores nacionais e internacionais. Mas o movimento não se limita a números de público. Ele se reflete nos aportes vultosos que vêm sendo feitos em startups brasileiras, cada vez mais atraentes para fundos nacionais e internacionais.
A Jusbrasil, por exemplo, captou mais de US$ 128 milhões, com aportes do SoftBank e da Warburg Pincus, além de investimentos de nomes como Peter Thiel, cofundador do PayPal.
Já a Lexter.ai, focada em inteligência artificial para o setor jurídico, levantou R$ 16 milhões em rodada liderada pelo fundo Headline, conhecido por ter apostado no Nubank ainda em seus primeiros passos. Outras startups como NetLex (R$ 126 milhões), EasyJur (R$ 1,4 milhão) e Enter – que recebeu investimento da Sequoia Capital, um dos maiores fundos de Venture Capital do mundo e responsável pelo seu primeiro e único grande aporte no gigante Nubank — mostram que os olhos dos principais investidores globais estão cada vez mais voltados para o setor jurídico brasileiro.
O boom das lawtechs e a revolução do setor jurídico
As lawtechs estão reinventando o direito, tornando processos mais rápidos, acessíveis e eficientes. Elas atuam em diversas frentes, como jurimetria (uso de dados para prever desfechos de processos), automação de contratos, mediação digital e inteligência artificial aplicada à advocacia. A digitalização da justiça e o amadurecimento do ecossistema ajudaram a abrir as portas para esse movimento.
Mas é a inteligência artificial, sobretudo em seu modelo generativo, que tem impulsionado a revolução mais profunda. Escritórios de advocacia e departamentos jurídicos já operam com IA para automatizar análises de contratos, revisar documentos, prever decisões judiciais e até mesmo democratizar o acesso à justiça para pequenas e médias empresas.
O que antes parecia distante já faz parte do cotidiano de milhares de profissionais, nos setores privado e público também: o governo federal anunciou recentemente um investimento de R$ 10 milhões em um sistema baseado em IA generativa para atendimento jurídico, um “ChatGPT jurídico” pensado para ampliar o acesso e acelerar os trâmites processuais.
O setor de tecnologia jurídica também tem despertado o apetite de grandes corporações e o setor de M&A segue aquecido. A Softplan, por exemplo, comprou a Oystr, startup de automação jurídica, com a ambição declarada de atingir R$ 1 bilhão em receita. A italiana Zucchetti desembolsou R$180 milhões para adquirir a D4Sign, referência nacional em assinaturas digitais.
A canadense Vela Software já absorveu empresas como Kurier, Aurum, LDSOFT, Fácil e CartDigi, especializadas em soluções para advocacia, cartórios e propriedade intelectual. A Neoway, por sua vez, comprou a LegalLabs, cocriadora do sistema Victor (ferramenta de IA usada pelo Supremo Tribunal Federal) e, em 2021, foi ela própria adquirida pela B3 por R$ 1,8 bilhão, na maior operação já registrada na história da Bolsa brasileira.
Investidores de alto risco entram no jogo
Com esse histórico, não é de se estranhar que fundos mais arrojados também estejam entrando no jogo. Investidores acostumados a operações de alto risco e conhecidos por estratégias agressivas no mercado de ações, como Versa Asset Management e Panamby Capital, observam o setor com atenção e consideram lawtechs um campo promissor.
O BTG Pactual, maior banco de investimentos da América Latina, também faz a mesma aposta, oferecendo fundos que atendem desde investidores conservadores até aqueles dispostos a correr riscos em busca de retornos exponenciais.
Além disso, gigantes globais como Thomson Reuters (com faturamento anual acima de US$ 6 bilhões) e LexisNexis (US$ 4,8 bilhões) voltaram os olhos para o Brasil, reconhecendo o potencial de um mercado que alia densidade jurídica a uma nova cultura de inovação.
Um setor em plena ebulição
O mercado de lawtechs no Brasil está longe de ser uma tendência passageira. As startups jurídicas estão liderando a transformação digital do setor, tornando o direito mais acessível, eficiente e tecnologicamente avançado. O Brasil deixou de ser um mero observador para ocupar papel central em uma revolução que redesenha as fronteiras entre Justiça, tecnologia e negócios. Mas essa revolução só foi possível porque uma comunidade se formou, liderada pela AB2L, que conectou pessoas, empresas e investidores para acelerar essa transformação.
Com investimentos cada vez maiores, a presença de gigantes globais e a força de uma comunidade unida, o Brasil se consolida como um dos polos mais promissores para inovação no mercado jurídico.
O Direito do futuro é híbrido, conectado, eficiente e, sobretudo, estratégico. Advogados não serão substituídos pelas tecnologias, mas aqueles que não souberem trabalhar com elas, certamente, ficarão para trás. O que antes era um universo hermético, fechado sobre si mesmo, agora se abre ao mundo com uma nova roupagem. Porque o Direito, hoje, é pop. É sexy. É tech. E, mais do que nunca, é um excelente investimento.