Ponto a ponto: entenda o voto de Barroso sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet

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O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, votou pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI) em sessão plenária da última quarta-feira (18/12). Seu abriu divergência em relação aos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores dos REs 1.037.396 e 1.057.258, em julgamento. Eles defendem a responsabilização das plataformas pelos conteúdos publicados por seus usuários.

Barroso, por outro lado, considera que há situações em que é legítima que a remoção de conteúdos ocorra somente após ordem judicial. A não responsabilização civil direta das plataformas por materiais de terceiros é o ponto-chave do artigo. Para o ministro, a remoção em casos de ofensas e crimes contra a honra, por exemplo, não pode prescindir de decisão da Justiça.

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O presidente do Supremo também propôs uma série de medidas para regular a atuação das big techs no Brasil, incluindo alterações no regime de responsabilidade civil e a exigência de relatórios anuais de impacto seguindo o modelo do Digital Services Act (DSA) da União Europeia.

Depois do voto de Barroso, o ministro André Mendonça pediu vista, mas afirmou que a posição do ministro é a que mais se aproxima da sua. Após o pedido, o presidente da Corte disse que gostaria de “avançar o mais rápido possível” na questão, que é “aflitiva”.

Divergências em relação aos votos anteriores

O voto de Barroso se distingue da posição de Fux e de Toffoli em cinco principais pontos. Além de considerar o artigo 19 em parte constitucional, o ministro declarou que mesmo em casos de crimes de calúnia, injúria e difamação, o conteúdo deve permanecer em conformidade com o regime da normativa, sob pena de violação à liberdade de expressão. Para ele, a responsabilidade das plataformas por danos gerados pelas publicações de seus usuários deve ser sempre subjetiva.

O magistrado defende também o dever de cuidado, com responsabilização somente por falhas sistêmicas, em vez de um regime de monitoramento ativo das plataformas. Além disso, em oposição direta ao voto de Toffoli, ele não inclui obrigações adicionais aos marketplaces. O relator de uma das ações tinha mencionado o tipo de plataforma de forma específica em seu voto ao propor a interpretação conforme do Código de Defesa do Consumidor e do artigo 21 do MCI em caso de produtos falsificados vendidos online. Para Barroso, os marketplaces não são objeto do debate.

Ponto a ponto do voto de Barroso

Inconstitucionalidade parcial do artigo 19

O ministro considera que “há um estado de omissão parcial” associado ao dispositivo não garantir uma proteção suficiente dos direitos fundamentais e da democracia. A normativa, segundo ele, não cria incentivos adequados para que sejam mitigados os riscos do modo de funcionamento das plataformas nem para que elas adotem medidas adequadas a partir do momento que têm conhecimento das práticas de crimes.

Barroso defende a interpretação conforme à Constituição da expressão “ressalvadas as disposições legais em contrário” presente no dispositivo. Para ele, essa seria uma solução para ampliar o escopo das exceções previstas no Marco Civil da Internet, além de tornar compatíveis o regime jurídico de responsabilidade civil das plataformas e as exigências constitucionais.

Responsabilidade por danos produzidos por conteúdos específicos

Barroso defende a diferenciação da responsabilidade em dois tipos, um deles a ser aplicado nos casos de prejuízos causados por publicações específicas nas plataformas. Nestes cenários, ele prevê:

  • a notificação privada e a retirada de conteúdo como regra geral, conforme o artigo 21, exceto para crimes contra a honra;
  • a permanência do regime de retirada após decisão judicial em casos de crimes contra a honra – inclui calúnia, injúria, difamação, abusos e mau comportamento, como assédio; e
  • a responsabilidade independente de notificação em conteúdo ilícito em anúncios e impulsionamento pago.

Barroso destaca que não há, no mundo democrático, qualquer sistema que adote responsabilidade objetiva às plataformas.

Nos casos de notificação e retirada, elas devem provar que agiram adequadamente após serem acionadas. Podem, ainda, se eximir de culpa nos seguintes casos:

  • quando for conferida interpretação razoável no sentido de que o conteúdo alvo da notificação não é criminoso;
  • quando a retirada ou outra ação tenha sido tomada em tempo razoável;
  • quando atuarem de maneira diligente para mitigar o risco de dano; ou
  • quando a notificação for inválida.

Em casos de dúvida ou necessidade de avaliação contextual, a responsabilidade depende de decisão judicial.

O ministro também determina que as plataformas criem um canal acessível para recebimento de denúncias detalhadas, além de garantir a comunicação ao usuário, a possibilidade de contestação em ações, como remoção de conteúdo, e que publiquem anualmente dados sobre notificações e impulsionamento pago.

Responsabilidade por danos produzidos por falha no dever de cuidado

O outro tipo de responsabilização é destinado aos conteúdos nocivos com riscos sistêmicos criados ou potencializados pelas plataformas. Para o ministro, o dever de cuidado deve minimizar essas falhas e seus impactos negativos sobre direitos individuais, coletivos, segurança e estabilidade democrática.

As plataformas devem atuar de forma proativa para que seu ambiente esteja livre de conteúdos associados a:

  • pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes;
  • induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação;
  • tráfico de pessoas;
  • atos de terrorismo; e
  • abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de
    Estado.

Apelo ao legislativo

Barroso invoca o Congresso Nacional a definir sanções e criar um órgão regulador responsável pela análise, monitoramento e aplicação de penalidades. Este órgão, de natureza autônoma, deve fiscalizar e receber relatórios sobre riscos sistêmicos

É necessário regulamentar medidas para avaliação e mitigação de riscos sistêmicos, incluindo relatórios de impacto e auditorias. Até o estabelecimento deste ato normativo, as plataformas devem publicar relatórios anuais em suas páginas, seguindo o modelo do Digital Services Act (DSA).

Discussão dos casos

As ações que questionam a constitucionalidade do artigo 19 do MCI são duas: o Recurso Extraordinário (RE) 1.057.258 (tema 933), sobre o caso de uma dona de casa que acionou a Justiça contra o Facebook por um perfil falso. Toffoli é o relator. E o RE 1.057.258 (tema 533), sobre uma professora que pediu à extinta rede Orkut que derrubasse uma comunidade ofensiva. O relator é Luiz Fux.

Barroso não votou caso a caso, mas deu sua perspectiva sobre a ação de relatoria do ministro Toffoli. Para ele, não é uma questão de aplicação do artigo 19. Segundo ele, no caso, houve o ato, um comportamento ilegítimo da plataforma ao não retirar um perfil falso depois de informado, e, portanto, não set tratava de uma questão associada à liberdade de expressão.

O julgamento iniciado no fim de novembro está suspenso até a devolução do pedido de vista de Mendonça e, em seguida, a previsão de o presidente da Corte em pautar as ações novamente.