10/11/2023 – Conflito, crises e transições

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Entrevista com o historiador Luís Fernando Lopes, ouvidor
e professor de História do Direito na Universidade Federal do Paraná

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Origens

As origens da CLT foram as alterações profundas na mão de obra nacional, gerando protestos sociais e alterando as bases agrárias e agroexportadoras do país. O Brasil demora a se industrializar e mesmo o processo de superação da mão de obra escrava no final do século XIX foi feito sem a inserção desta população em setores produtivos ou mesmo a possibilidade de fixação dos mesmos na terra que foi prioritariamente disponibilizada para os imigrantes estrangeiros que se pretendia atrair para o país.

O crescimento industrial do país e o consequente incremento das cidades e do proletariado urbano começa apenas no período da Primeira Guerra Mundial, com a montagem aqui das indústrias de substituição de importados, principalmente vestuário e alimentação.[1]

Primeira grande greve no Brasil, em 1917 – Foto reproduzida pelo jornal Gazeta do Povo.

Mas a transição republicana no Brasil pouco alterou o contexto estamentário e excludente do Antigo Regime e o povo, excluído da participação política ganhou as ruas, em um sem número de revoltas populares tanto urbanas (como a Revolta da Vacina, da Chibata, da Armada e as incontáveis greves pelo país como a de 1917 que tomou a capital paulista, nas movimentações anarco sindicalistas) quanto rurais (como Canudos e Contestado, Cangaço, etc), como nos mostra José Murilo de Carvalho em seus estudos sobre República e seu pecado original: a ausência de povo.[2]

O Paraná na I República vive um contexto similar com forte presença de trabalhadores imigrantes, em particular italianos e Curitiba assiste a uma série de greves como fruto das movimentações operárias orientadas pelos sindicalistas de orientação anarquista, culminando com a grande greve geral de 1917 que parou a maior cidade do país, São Paulo e teve um impacto forte também em Curitiba como demonstra o estudo de Ricardo Marcelo Fonseca e Maurício Galeb.[3]

Em junho de 1917 uma greve geral paralisou totalmente a cidade de São Paulo por oito dias provocando um salto qualitativo na agenda política dos trabalhadores brasileiros. O final dos anos 20 do século passado assistiu também à crise do Estado liberal com a crise de superprodução de 1929 que afeta os cafeicultores brasileiros e abre espaço para a alteração do poder através da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, que com o Decreto 19.398 suspende as garantias constitucionais e a legalidade, instituindo o Estado Novo, tendo Vargas como ditador. Se o mundo já havia assistido ao aparecimento de estados de bem estar social, como os emergentes no México e na Alemanha, o Brasil também sofre impacto desta ruptura que leva a preocupações com a questão social e em particular com os trabalhadores. O Estado de bem estar social substituía aos poucos o Estado Liberal, mesmo nos Estados Unidos com a política intervencionista do New Deal.

Trabalhadores da Chevrolet, em São Paulo, na década de 1920. Foto: Divulgação: Agência Senado.

Impacto

A primeiro de maio de 1943, no Estádio de São Januário no Rio de Janeiro, Getúlio Vargas anunciava a CLT, marco da unificação das leis trabalhistas até então que teve como objetivo inserir os direitos trabalhistas na legislação brasileira, regulando as relações individuais e coletivas de trabalho.

De um lado, com a regulamentação o trabalho e o trabalhador tiveram garantias que promoveram no período um crescimento social e uma melhor distribuição de renda, atenuando as relações desiguais entre capital e trabalho e abrindo condições para o desenvolvimento social no Brasil.

Trabalhadores da Cia de Terras Norte do Paraná, na Avenida Brasil, em Maringá,
em 1949. Foto: Museu Bacia do Paraná- Acervo Maringá Histórica.

A regulamentação e a proteção ao trabalho gerou uma classe trabalhadora que passou a ter poder de compra e capacidade financeira de consumo, ampliando a circulação de bens e riquezas no país.

A Constituição de 1946, após a ditadura Vargas estabeleceu ainda algumas garantias como o repouso semanal remunerado, a estabilidade do trabalhador rural e o direito de greve.

Trabalhadores das Ligas Camponesas, movimento social rural das décadas
de 1950 e 1960. Foto de Documentos Revelados. Agência Senado.

Evolução

As alterações na legislação são frequentes e em 1962 ainda durante o governo de João Goulart foi instituído o 13o salário e em seguida a inclusão dos trabalhadores rurais na CLT, garantindo que o campesinato brasileiro teria agora direito à carteira assinada, jornada de oito horas, férias remuneradas e aviso prévio.

Alguns retrocessos, entretanto, viriam com a ditadura militar brasileira e sua intervenção sobre os sindicatos, culminando com a mutilação do direito de greve pela Lei 4330/64. Os funcionários públicos foram proibidos de fazer greve e mesmo as greves dos demais trabalhadores poderiam ser suspensas por decisão da Justiça do Trabalho. Sob pressão patronal a ditadura interfere também na estabilidade decenal, permitindo ao empregador demitir com maior facilidade e menor custo.

O contexto autoritário e as repressões impetradas pela ditadura provocariam perdas consideráveis aos trabalhadores que só seriam contestadas a partir do surgimento do novo movimento sindical da década de 1970.

Este novo sindicalismo enfrentaria a ditadura e o poder patronal sendo fundamental para as conquistas consolidadas pela Constituição Cidadã de 1988. Esta, sob pressão social e sindical, garantiu direitos importantes como a proteção contra demissão arbitrária, o piso salarial proporcional, a licença-maternidade, a irredutibilidade salarial e a jornada de 40 horas semanais.

Mas tais avanços seriam brecados por uma nova onda neoliberal marcadamente na “reforma” trabalhista de Michel Temer, com o argumento da necessidade de reduzir o valor do trabalho fragilizou os trabalhadores e favoreceu o patronato.

Manifestação de sindicalistas durante processo constituinte
de 1988. Foto CED Câmara dos Deputados – Agência Senado.

Reforma

A flexibilização dos direitos trabalhistas efetivados pela reforma se enquadram em um contexto de nova divisão internacional do trabalho. Como nos ensina Naomi Klein, em seu livro Sem Logo, a partir do final do século passado as empresas transnacionais passaram a investir pesadamente no capital da marca.

A compra da Kraft pela Phillipe Morris por seis vezes o que valia chamou a atenção e determinou uma corrida pela ausência de peso. As grandes empresas investem nas marcas e o terceiro mundo passa a ficar com o peso da produção, mas para tanto, a desregulamentação do trabalho se tornou requisito para que se possa concorrer com os custos baixos de produção.

Exemplo clássico é a Nike, que não produz um tênis sequer nos EUA ou na Europa, mas somente no terceiro mundo, investindo muito mais na marca.

Assim, a “reforma” feita no Brasil é uma reunião do que há de pior nas alterações neoliberais ocorridas na Europa, como a regulamentação do trabalho intermitente (pioradas aqui no Brasil, inclusive, se comparado com o contexto europeu).

Questiono, inclusive, o termo “reforma”, posto que mais de 200 dispositivos foram alterados com o objetivo de proteger os empregadores, em clara subversão da lógica histórica da legislação trabalhista, destinada a atenuar a relação desigual de forças entre capital e trabalho.

Trabalhadores resgatados do trabalho análogo ao de escravo,
no Ceará. Foto do Ministério do Trabalho e Emprego. Agência Senado.

Que desafios traz o trabalho por plataformas?

Desafios gigantescos, principalmente pelos prejuízos já causados pela “reforma” trabalhista, pois o contexto de novas formas de trabalho aparece em um vácuo de proteção institucional.

Exploração encoberta, ausência de proteção, instabilidade, invisibilidade, eliminação de restrições à jornada de trabalho, ausência de garantia e regras relacionadas ao trabalho.

Aprofundam, portanto, a crise do Estado Social iniciada com a flexibilização da proteção dos trabalhadores. Não por acaso, as doenças psíquicas são a regra no mundo do trabalho atual e em nosso país assistimos passivamente a um aumento absurdo de trabalho análogo à escravidão. O valor do trabalho no Brasil é um dos mais baixos do mundo e o custo de vida um dos mais altos, excluindo a classe trabalhadora do consumo.

[1] FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1984.

[2] CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados; o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

[3] FONSECA, Ricardo Marcelo. & GALEB, Maurício. A greve geral de 1917 em Curitiba; resgate da memória operária. Curitiba: Ibert, 1996.

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